Foi aberta a frente de guerra à reorganização judiciária. Depois dos autarcas e das associações sindicais representativas de juizes e procuradores, foi a vez do Conselho Superior da Magistratura (CSM), órgão de elite do sistema judiciário, arrasar com a proposta do Governo, afirmando mesmo que, se o diploma não for alterado, é a própria reforma do Mapa Judiciário que fica em causa. Paula Teixeira da Cruz já veio defender a proposta e ontem disse que Bruxelas elogia as reformas feitas.
Num parecer, a que o Diário Económico teve acesso, o órgão de gestão e disciplina dos juizes fala em falta de magistrados e funcionários para concretizarem a reforma, alerta para a "falta de um calendário" da implementação no terreno, critica a indefinição dos poderes do juiz-presidente e avisa que, se não for definido um prazo de três meses para a mudança de processos entre tribunais, o sistema vai paralisar, com as pendências a aumentarem. Isto numa altura em que a 'troika' exige precisamente o contrário e em que o objectivo da reforma passa, precisamente, por dar mais eficiência ao sistema.
Mas as críticas e alertas do CSM não se ficam por aqui. O órgão que gere os juizes acusa o Ministério da Justiça de querer interferir em competências que são próprias do CSM e da PGR, nomeadamente na formação e nomeação dos futuros juízes-presidentes, que vão gerir os tribunais. O CSM é afastado da formação, que é entregue ao Centro de Estudos Judiciários (CEJ). A Associação Sindical dos Juizes (ASJP) também ataca isto no seu parecer, falando em violação do da separação de poderes porque o CEJ responde perante o Governo. Colocando-se ao lado do Conselho, a ASJP diz que o CSM tem de ter intervenção na formação dos juizes e plenos poderes na nomeação. A manter-se este modelo, o CSM e os juizes prometem não ficar calados e deixam desde já no ar a ideia de que a Constituição é posta em causa. A juntar-se a esta frente estão os autarcas que contestam o encerramento de 57 tribunais por todo o país.
"Os juizes não são em caso algum investidos nas suas funções por membros.do Governo", avisa a associação sindical. Também o sindicato que representa o Ministério Público (MP), que avança para uma greve segunda-feira, diz que a redução de procuradores vai levar "à paralisação do sistema" e acusa o Governo de querer interferir em poderes da PGR.
Insuficiente quadro de pessoal e diploma afastado da realidade
O Mapa Judiciário que o Governo vai lançar em 2014 reduz o número de tribunais de comarca de 231 para 23 de base distrital, cria quadros fixos de magistrados e funcionários e impõe um novo modelo de gestão (ver texto ao lado). É a grande reforma da justiça que consta do memorando da 'troika' e cujo desenho foi aplaudido pelos credores internacionais, mas que agora os magistrados dizem ter "erros grosseiros", arriscando "fracassar".
Juizes e procuradores sempre concordaram com a reorganização judiciaria - dizem até que é "indispensável" -, têm acompanhado o processo mas acusam agora o Governo de, na recta final, não ter emendado erros e ter insistido em opções que "põem em causa" a reforma. O Ministério pode ainda, contudo, alterar a proposta e acolher estas críticas. Tanto o CSM como o MP dizem que há subdimensionamento do quadro de magistrados e funcionários e avisam que o número mínimo e máximo estipulado não será suficiente para resolver os milhares de processos parados. Em Lisboa, por exemplo, o CSM diz que faltam dois juizes nas secções de execução, sete nas de Comércio e cinco nas de Trabalho, onde o número de processos tem crescido nos últimos anos por causa da crise. A ministra rejeita a falta de magistrados mas admite a insuficiência de funcionários. Ontem, em Bruxelas, Paula Teixeira da Cruz disse mesmo que com o Mapa Judiciário haverá um aumento "factual e objectivo" dos magistrados do quadro legal, de 15% no MP e 19% nos magistrados judiciais".
Números contestados de imediato pelos magistrados, que vieram acusar a ministra de "demagogia" por estar a usar quadros de 1999, "já desactualizados".
No parecer que enviou ao Ministério, a associação sindical mantém a sua posição e diz que "o anteprojecto apresenta distorções profundas da realidade que levarão ao fracasso da reforma" ao recorrer a estatísticas sobre o número de processos nos tribunais que estão desactualizados porque são de 2010.
PRINCIPAIS "ERROS"
• Suddimensionamento do quadro de juizes e procuradores e número insuficiente de funcionários judiciais.
• Inexistência de estruturas logísticas, designadamente edifícios e equipamentos para albergar novas estruturas.
• Desconhece-se o calendário projectado para a implementação da reforma em 2014.
• Ausência de um prazo fixo para a transição de processos.
• Não é assegurada a efectiva liderança do juiz-presidente.
• CSM arredado da formação.
A ministra da Justiça disse ontem, em Bruxelas, compreender as razões da greve do Ministério Público agendada para segunda-feira mas destacou os elogios recebidos pela Comissão Europeia (CE) às reformas feitas. Paula Teixeira da Cruz sublinhou o facto de Portugal ter sido apontado pela comissária europeia para a Justiça, Viviane Reding, como "exemplo para algumas reformas a encetar pela UE". Entre estas reformas, está o Mapa Judiciário, que os credores já tinham aplaudido.
Inês David Bastos | Diário Económico | 22-11-2013
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