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REVISTA DE 2013

Criminalidade não justifica mais pessoas para a PJ

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Uma referência da Polícia Judiciária, Ramos Caniço deixa a instituição depois de 32 anos de serviço contra o crime. Na sua primeira grande entrevista após a aposentação, o antigo coordenador afirma que neste momento os meios da PJ são suficientes para responder à evolução da criminalidade

- O que há de diferente entre a Polícia Judiciária (PJ) de hoje e aquela em que entrou há 32 anos?
- Quando cheguei à PJ tínhamos aqueles investigadores que se distinguiam pela sua experiência e intuição. Passados 32 anos, já não há as estrelas dos anos 80, mas, em contrapartida, deixo uma polícia científica, uma polícia técnica, que foi evoluindo e estruturando-se no sentido de aproveitar as novas tecnologias de investigação.

- E, por isso, perdeu a rua?
- A rua não se perdeu. A rua pode ter sido transferida de instituição. Com a nova lei orgânica de 2000, a PJ começou a especializar-se na criminalidade mais complexa. As burlas, os abusos de confiança, os assaltos, os furtos, a pequena criminalidade, passaram a ser investigados pela PSP e pela GNR.

- Mas perdeu a informação da rua...
- Não, não perdeu. Basta que a informação flua entre os órgãos de polícia criminal. O que já acontece, mas ainda não de forma automática.

- O que se diz é que as polícias não partilham informação...
- A partilha de informação entre as polícias acontece. O que não partilham é informação online, automatizada.

- Essa partilha poderia acontecer através da Plataforma Integrada de Informação Criminal (PIIC), que já está prevista na Lei de Segurança Interna desde 2008. Mas que nem sequer está a funcionar...
- Mas já podia haver há mais tempo essa partilha automática. Pelo menos desde o dia 1 junho de 2010, se o então secretário-geral do Sistema de Segurança Interna (SG-SSI), Mário Mendes, tivesse concordado.

- Quais seriam os limites definidos de cada polícia para o acesso a essa informação comum?
- Seriam de acordo com a necessidade de saber. As polícias sofrem de um problema que é "a minha informação é minha, a tua informação é nossa". Se eu tiver informação que flui, de acordo com a legalidade e necessidade de saber, estou a dar a maior rentabilidade possível a essa informação.

- São frequentes os casos em que se verifica, por parte da PSP e da GNR, a tentação de extravasar a sua área de competência, entrando na investigação de casos, por exemplo de raptos, que são reserva da PJ.
- Mas a culpa não é da PSP nem da GNR. O que acontece é que muitas vezes o MP decide investigar ele próprio determinado crime e depois pede apoio à PSP ou à GNR. Ou seja, não há um deferimento formal de competência de investigação na PSP ou na GNR. São apenas o apoio em campo.

- Não será também a falta de quadros na PJ que está a levá-la a perder terreno na investigação criminal?
- A PJ tem meios e pessoas para ocorrer às investigações, embora o seu quadro não esteja a 100%. Aliás, nunca esteve. Estará mais ou menos a metade. Mas nesta questão de o Ministério Público delegar na PSP ou na GNR a investigação de crimes que são da reserva da PJ, não me parece que tenha que ver com a capacidade das polícias.

- Então?
- O que me parece é que tem que ver com a necessidade sentida por alguns magistrados de serem eles próprios a fazer as investigações. Mas eu acho que aí deveria fazer-se um exercício: averiguar nos casos investigados pelo MP e nos casos investigados pela PJ quem tem mais condenações...

- Mas é verdade que o quadro da PJ, tal como disse, encontra-se a 50 por cento?
- A Direção Nacional da PJ, neste momento, só tem dois elementos. É a mais reduzida direção de sempre. Mas se estes dois diretores entendem que conseguem, com algum sacrifício, assumir essa responsabilidade, essa é uma posição absolutamente inatacável, atendendo ao estado de constrangimento orçamental em que se encontra o País. Claro que isso provocará um enorme desgaste físico e psicológico.

- Sobretudo aos inspetores...
- Os inspetores têm os seus diretores, e se esses diretores conseguem proporcionar ao diretor nacional e ao diretor nacional adjunto resultados...

- A PJ está bem, então?
- A PJ não está bem, mas também não está a ponto de cair. Tenho muita pena de dizer isto, mas temos de ver as coisas também do ponto de vista de gestão. Eu preciso de um quadro numa polícia de acordo com o seu volume de trabalho. Pergunto: se tenho agora um campo de investigação mais reduzido do que há 15 anos precisarei do mesmo quadro de pessoal que tinha nessa altura?

- Mas a criminalidade tem evoluído.
- Sim, mas põe-se outra questão: a evolução da criminalidade foi tão grande nestes últimos anos a ponto de se justificar que se tenha de aumentar o quadro de pessoal? Olhamos para essa evolução e constatamos que isso não se verificou.

- Ou seja...
- Ou seja, a evolução da criminalidade, como a conheço até agora, não justifica que tenhamos de aumentar o quadro de pessoal da polícia.

- A ASFIC [sindicato da PJ] tem reivindicado o contrário...
- O que tem de se ver é se esse não preenchimento do quadro colide com a qualidade da investigação. Até agora viu-se que não.

- Por que razão há sempre reações negativas na PJ quando se fala em fusão das polícias?
- É uma questão de quintas.

- Mas no caso português, qual seriam as desvantagens?
- A PJ é um órgão auxiliar da administração da justiça ao lado do ME Os outros são polícias de segurança pública. Por isso, a PJ é um corpo superior de polícia. Assim, tem de estar no Ministério da Justiça, que é onde está o ME. Não tem sentido tirá-la de lá.

Licínio Lima e Valentina Marcelino | Diário de Notícias | 03-01-2013

Comentários (2)


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A afirmação " deveria fazer-se um exercício: averiguar nos casos investigados pelo MP e nos casos investigados pela PJ quem tem mais condenações" é a razão pela qual a PJ muitas vezes é vista da forma que é. E a razão pela qual muitas vezes é o MP que assume as investigações. É que dá ideia que mtas vezes os Senhores Inspectores acham que só eles é que sabem trabalhar e que os outros incluindo, os procuradores, são uns e*********os que para aqui andam e que só servem para perturbar o trabalho o seu "excelente trabalho".
Mais, também se esquece das inúmeras vezes que as condenações em processos investigados pela PJ só acontecem pela arte e engenho dos procuradores do julgamentos, uma vez que, não raro, os inspectores chegam aos julgamentos e não se lembram de nada.
Enfim, esta singela frase é bem reveladora do espírito que desde sempre norteia a nossa Polícia. Pode ser que com a reforma dos mais velhos, alguma coisa comece a mudar.
Com os melhores cumprimentos e votos de um bom ano.



MP , 05 Janeiro 2013
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A frase "tem que ver com a necessidade sentida por alguns magistrados de serem eles próprios a fazer as investigações. Mas eu acho que aí deveria fazer-se um exercício: averiguar nos casos investigados pelo MP e nos casos investigados pela PJ quem tem mais condenações" é reveladora do espírito e da atitude com que a PJ encara o MP e as restantes forças policiais.
E é lamentável este tipo de desafio, quando o Sr. Inspector, agora reformado, se parece esquecer que muitas das condenações em processos investigados pela PJ só ocorrem por arte e engenho dos procuradores dos julgamentos, uma vez que os Srs. Inspectores chegam lá e afirmam nao se lembrar de nada.
Já para não falar dos Srs. Inspectores que gostam de passar por cima do MP.
Pode ser que esta geração que agora sai e que se comporta da forma como o faz e sempre fez, chegando a tecer considerações em processos, possa trazer alguma melhoria.
Votos de uma boa reforma e de um bom ano
MP , 05 Janeiro 2013

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