Entrevista a Maria José Morgado: "O crime degestão danosa não é aplicável ao exercício de cargos de poder local ou central"; "Ministério Público não tem meios suficientes para investigar estes casos"
- Metade dos processos de corrupção reportados ao Conselho de Prevenção (CPC) do Tribunal de Contas têm origem no poder local. O que falha na fiscalização para que as autarquias sejam o grande "viveiro" da corrupção no País, tal como já lhes chamou?
- Não há uma fiscalização efetiva que funcione como travão. Apesar de tudo, a maior parte dos casos corresponde a crimes simples de provar, como é o caso de peculato, e não de corrupção típica.
- Acha que existe impunidade relativamente a gestão danosa nas autarquias?
- O crime de gestão danosa não é aplicável ao exercício em cargos do poder local ou central. Há, porventura, uma zona legal de impunidade que impede a incriminação direta pela má gestão dos dinheiros públicos em cargos desta natureza. Daí que se foi tomando fácil misturar dinheiros públicos com interesses privados, que se tenha apagado a fronteira da ética e se tenham feito fortunas privadas com dinheiros públicos. Uma patologia terrível. Fizeram-se mais de 20 revisões deste Código Penal e nunca foi prevista essa incriminação. Assim restam-nos outras incriminações de prova complexa: corrupção, tráfico de influências, participação económica em negócio, prevaricação, violação das regras urbanísticas, etc.
- O que considera estar na origem da corrupção no poder local?
- Os fatores potenciadores de corrupção política local são muito imbricados, invisíveis e pouco estudados. As más práticas, o caciquismo, a promiscuidade com os negócios privados e com o futebol, o favoritismo político local, a repetição dos mandatos, a falta de prestação de contas públicas, o funcionamento amiguista de algumas câmaras são bactérias potenciadoras da doença. Também a cultura popular de aceitação das más práticas financeiras e decisórias. E no tempo do dinheiro - o triângulo construção civil, futebol e alguns autarcas. Agora pagamos todos os privilégios de uma minoria.
- Que medidas e/ou mecanismos poderiam ser adotadas no sentido de diminuir este fenómeno?
- Fiscalização e mais fiscalização. Prevenção e mais prevenção. Punição dos casos verdadeiramente graves e responsabilização financeira.
- O Ministério Público está suficientemente preparado para conseguir detetar as manobras feitas nas autarquias quanto a alterações do PDM ou a tráfico de influências?
- Não é desculpa, mas entendo que não está. Não temos assessoria técnica nem bases de dados. Não temos assessoria de arquitetos afetos aos serviços que assegurem isenção. Temos a nossa persistência, apenas.
- O arquivamento de diversos casos, no que concerne a corrupção autárquica, dá-se mais por incapacidade do MP em investigar ou por denúncias infundadas?
- São realidades diferentes. Como não temos análise e tratamento de dados, só posso responder com a minha perceção. O primeiro motivo é de capaz de ser mais frequente.
Diário de Notícias | 16-09-2013
Comentários (3)
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Portanto, enquanto as medidas de combate à criminalidade estiverem exclusivamente dependentes deste tipo de vontades politicas, não vamos a lado nenhum.
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