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REVISTA DE 2013

«Há tribunais a limitar a liberdade de expressão»

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Francisco Teixeira da Mota é um dos grandes defensores da liberdade de expressão no país e pelas suas mãos já passaram centenas de queixas contra jornalistas. No ensaio A Liberdade de Expressão em Tribunal, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, o advogado diz que muitas sentenças reflectem a cultura do 'respeitinho' e que as elevadas indemnizações pedidas por difamação servem para intimidar os jornalistas. Para Teixeira da Mota, é 'muito perigoso' que Cavaco Silva incentive processos-crime por questões de opinião.

Os tribunais têm limitado a liberdade de expressão em Portugal?
Há casos em que os tribunais têm limitado a liberdade de expressão de forma chocante, mas também há casos em que a têm permitido. Ao princípio, havia uma grande resistência dos nossos magistrados à jurisprudência do Tribunal dos Direitos do Homem, mas hoje em dia já há muitos que acolhem sem reservas essa jurisprudência, que dá um valor primordial à liberdade de expressão e entende que ela só deve ser restringida face a liberdades sociais imperiosas. Isto é quando há motivos muito sérios, contrariando a visão tradicional de que por exemplo o bom nome prevalece sobre a liberdade de expressão.

É a cultura do 'respeitinho'?
Ainda há juízes com uma visão muito conservadora, que consideram que a Convenção dos Direitos do Homem é estrangeira, apesar de ter sido transposta para a lei nacional. E há tribunais que continuam a fugir a ela. Limitam-se a dizer que a lei é muito importante, mas depois voltam a aplicar jurisprudência mais conservadora.

Esta visão 'paternalista' é herança do Estado Novo?
Duvido. Este desprezo pela liberdade de expressão vem mais de trás. E não é um problema da esquerda nem da direita: todos querem defender as suas capelinhas, os seus valores estabelecidos, o status quo, os seus grupos. Como não há uma mentalidade liberal em relação à liberdade de expressão, não se pode falar mal. Não se pode fazer uma crítica forte, contundente e séria...

É o caso do comentário de Miguel Sousa Tavares que levou Cavaco Silva a pedir a abertura de um inquérito por difamação?
Uma pessoa tem de ter o direito de achar que o Presidente da República tem um papel ridículo. É preciso distinguir factos de opiniões. Se eu disser numa notícia que o José é ladrão, isso é um facto provável: ou roubou ou não roubou. Mas se eu disser que ele é um péssimo político isso não é um facto, é uma opinião. Não é possível provar isto e as opiniões não têm de ser contidas. Os nossos tribunais não sabem distinguir isto, há juízes que põem tudo no mesmo saco: é tudo ofensivo, é tudo dizer mal.

Essa cultura tem um forte impacto social...
Num tempo em que se agudizam as crises sociais, quartar a liberdade de expressão, nomeadamente ao nível da opinião, é perigosíssimo. É muito perigoso que o Presidente da República esteja a querer incentivar processos-crime por opiniões ou críticas. Nós precisamos, e muito mais agora, de não ter medo de criticar. E os jornalistas precisam muito mais agora de não ser intimidados para poderem contar as histórias. Se começamos a ter medo de dar opiniões aquilo que hoje em dia se passa ao nível do poder, e é uma vergonha, torna-se ainda mais opaco. Temos de ter uma imprensa livre para poder criticar e também para poder errar.

Mesmo com excessos?
O excesso faz parte da liberdade de expressão, que não pode ser medida ao milímetro. Tem excessos, tem exageros, que magoam ou ofendem. A liberdade de expressão não é algo de inócuo.

Mas há decisões graves como a de Rui Pedro Soares que conseguiu travar a publicação de escutas no SOL invocando o direito à reserva da vida pessoal?
Essa decisão, que foi confirmada pela Relação, é um escândalo. Conseguir quartar o direito da sociedade a ter informação essencial é de uma total insensibilidade aos valores da liberdade de expressão e de uma percepção do poder chocante. As gravações em causa eram legais, feitas no âmbito de um processo de investigação, e não tratam de questões pessoais mas de questões político-económicas de enorme relevo público. Os tribunais deveriam ter afastado a proibição da sua publicação.

É outro tipo de censura...
É uma censura judicial, não é prévia mas à posteriori.

O mesmo acontece quando há sentenças contra jornalistas com valores milionários: Santana Lopes ganhou um acção contra o grupo Impala com direito a uma indemnização de 730 mil euros por difamação...
São sentenças com valores absurdos. Não quero pronunciar-me porque estou envolvido nesse recurso, mas a sentença revela uma total ignorância do que é a liberdade de expressão. Essas decisões com elevados valores vão quartar não só a liberdade de expressão mas põem em causa a sobrevivência das empresas de media. Têm uma função intimidatória grave. Alguns tribunais não têm a menor sensibilidade e tratam a liberdade de expressão como tratam questões de fornecimento de chouriços. A liberdade estrutural de uma sociedade não pode ser tratada como coisa menor.

Que caso mais o chocou?
O do Rui Pedro Soares, porque teve imensas consequências naquilo que é a percepção do que é a liberdade de expressão no país. Fez recuar a nossa sociedade em termos de valores como a honestidade e a seriedade. Na minha opinião beneficiou o transgressor.

Joana Ferreira da Costa | Sol | 10-08-2013

Comentários (5)


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...
"Não quero pronunciar-me porque estou envolvido nesse recurso, mas a sentença revela uma total ignorância do que é a liberdade de expressão"
Imaginem o que diria se ele quisesse se pronunciar...
Ele é que sabe, os outros são ignorantes!
Contribuinte espoliado , 11 Agosto 2013
Liberdade
«O excesso faz parte da liberdade de expressão». Quem assim fala não sabe o que é a liberdade nem de expressão nem de coisa nenhuma. Quantos quilómetros deverá ter o excesso para ofender juristas que aceitam como constitucional a violação do código penal, ou seja, o roubo?
Será que o sr. Dr. Teixeira da Mota consjdera de somenos importância que alguém lhe venda chouriço podre como bom? Há cada uma!
Picaroto , 11 Agosto 2013
...
Uma entrevista manifestamente infeliz.
Não se querer pronunciar e, ainda assim, ir afirmando que a sentença revela ignorância é, no mínimo, peculiar.
Admitir que a liberdade de expressão (o mesmo é dizer qualquer direito ou liberdade constitucionalmente garantida) admite o excesso como normal é ignorar, aqui sim, que qualquer direito ou liberdade tem de ter limites e os excessos no seu uso são abuso.
Discutir os valores das indemnizações como meio de limitar ou pressionar os jornalistas é fingir que são estes quem vai pagar as indemnizações e não as empresas proprietárias dos jornais que fazem bom negócio com certas afirmações, encapotadas de opiniões, que publicam.
Mário Rama da Silva , 12 Agosto 2013
...
Vale tudo em Portugal, mesmo chamando p******o ao Presidente da República?
Esta gentinha de Lisboa fala bem, muito bem mesmo, mas falta-lhe humildade, educação e respeito pelos outros.
Pouco falta para o "vale tudo". É assim que as democracias chegam ao fim.
Um jornalista russo nem se atreve a chamar p******o ao Putin, pois sabe logo o que lhe acontece.
Pires, o sadino , 13 Agosto 2013
Vistos os autos...
Só venho à liça por razão dos comentários que antecedem, os quas evidenciam a "qualidade" do grosso dos nossos juristas forenses. Pobre país...
Francisco T Mota diz aquilo que todos temos obrigação de conhecer e de ter interiorizado na nossa cultura geral (mais que na cultura jurídica). Mas a realidade é o que é...
Franciscodo Torrão , 13 Agosto 2013

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