A Ordem dos Médicos (OM) quer passar a cobrar uma taxa aos utentes pelas queixas que apresentem contra os clínicos, para controlar o aparecimento de processos em excesso, "muitas vezes sem fundamento". A medida está prevista nos novos estatutos do organismo, que aguardam desde fevereiro o início da discussão com o Governo e aprovação na Assembleia da República. Na prática, diz o bastonário, José Manuel Silva, que ontem foi reeleito, "é uma espécie de taxa moderadora na apresentação da queixa ou por altura do pedido de recurso".
A forma como poderá ser implementada ainda não está fechada, mas o médico diz que "não pode ser um valor elevado que coarte o direito de as pessoas apresentarem a sua queixa. Pode ser só para decisões de recurso ou um fee [taxa] para uma primeira participação, que se a pessoa tiver razão é devolvido. O modelo não está fechado".
A razão para esta proposta tem que ver com o elevado volume de processos abertos pela OM, nos seus três conselhos disciplinares. Em quase três anos houve 1717 inquéritos, dos quais 375 resultaram em condenações dos médicos. No entanto, a maior parte destes casos acabam por ser arquivados, porque não há qualquer fundamento. "As pessoas reclamam por tudo e por nada. Primeiro porque é fácil fazê-lo, depois recorrem porque também é fácil", acrescenta.
As custas ainda estão por definir e são legais porque os conselhos funcionam como tribunais. "Terá de ser algo aprovado pelo Conselho Nacional Executivo, mas seria uma taxa especial, à semelhança da taxa moderadora, que as pessoas carenciadas não pagariam", garante o bastonário.
Totalmente em desacordo com este argumento estão os utentes. Manuel José, porta-voz do Movimento de Utentes dos Serviços de Saúde (MUSS), lembra que "a Ordem dos Médicos tem-se oposto às taxas moderadoras porque não têm servido para reduzir o acesso aos serviços. Aqui não estamos a falar de cuidados de saúde".
Depois de na última reunião do MUSS ter sido aprovado um princípio de que "não deve haver cobrança de taxas moderadoras em nenhuma circunstância, acho que não faz sentido que se usem para moderar as queixas dos utentes". Numa altura em que este direito ganha peso, "era um retrocesso as pessoas deixarem de se queixar. Se houver taxas, obviamente, as pessoas vão deixar de o fazer".
Já em novembro, quando o DN noticiou que há 15 queixas por dia a chegar à OM, dois dos três responsáveis pelos conselhos disciplinares da ordem diziam que tinha de ser criada uma taxa, por existirem centenas de casos anuais e apenas cinco pessoas a darem resposta em cada conselho. "Nos tribunais também se pagam as queixas. Aqui teria de ser criado algum obstáculo no caso de as pessoas não terem razão", dizia Manuel Mendes Silva, presidente do Conselho Disciplinar do Sul.
Fonte de um sindicato médico discorda destas posições. "Sou contra qualquer condicionamento à apresentação de queixas", defendendo, em vez disso, mudanças na forma como são triados os processos. Além disso, "os novos estatutos prevêem um reforço dos membros dos conselhos disciplinares, que agora são apenas cinco".
O bastonário defende que não quer recusar sem processo de inquérito. "A decisão de arquivamento liminar não é correta sem inquérito, sem ouvir as várias partes." Os novos estatutos visam ainda aumentar a transparência e a abertura da OM para o exterior.
Ana Mendes | Diário de Notícias | 13-12-2013
Comentários (4)
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Uma medida a ponderar poderia ser aceitar todas as queixas e filtrá-las, fazendo seguir as que estão devidamente identificadas e fundamentadas, e arquivar as outras aplicando uma multa ao seu autor.
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Qualquer dia até para reclamar do árbitro no futebol temos que pagar uma taxa.

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