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REVISTA DE 2013

Donos de parcelas junto a rios e mar em risco

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A Lei da Titularidade dos Recursos Hídricos já tem quase oito anos, mas só agora está a deixar muitos proprietários de terrenos ou edifícios das faixas costeira e ribeirinhas à beira de um ataque de nervos. Aprovado no primeiro Governo de José Sócrates, em 2005, o diploma que pretendia regular a gestão destas áreas impôs um prazo até 1 de Janeiro de 2014 para que os donos de parcelas situadas numa faixa de 50 metros junto aos rios e ao mar solicitem em tribunal o reconhecimento da suas propriedades, apresentando provas documentais de que o espaço em causa já era de domínio privado há mais de 150 anos, antes do final de 1864. Se se tratar de arribas alcantiladas, a prova já terá de ser anterior a 22 de Março de 1868.

Os proprietários, incluindo empresas e autarquias, vêem-se, assim, a braços com uma exigência muito difícil, ou impossível, muitas vezes, de cumprir, e correm sérios riscos de perder as suas parcelas a favor do Estado. Tanto assim é que, até Março de 2013 e segundo a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), apenas entraram em tribunal, em todo o país, cerca de 50 acções de reconhecimento de propriedades que confinem com o domínio público hídrico. Muitos têm solicitado pareceres jurídicos sobre a matéria, outros apresentaram exposições ao Ministério do Ambiente, mas a cerca de três meses do final do prazo a preocupação é grande.

São muitos os municípios com cidadãos abrangidos por este processo. Algumas autarquias tentaram que a lei fosse alterada. Os grupos parlamentares do PSD e do PS prometeram, nos últimos dias, à Câmara de Vila Franca de Xira, levar brevemente a plenário propostas de alteração legislativa que minimizem o impacto e as exigências do artigo 15.º da Lei 54/2005, mas não é ainda claro como e quando é que isso poderá suceder.

"Por força desta legislação, as pessoas podem perder as suas propriedades. E a própria câmara tem de lutar, do ponto de vista político ou judicial, contra esta medida altamente lesiva dos particulares e dos bens colectivos", sustenta Nuno Libório, vereador da CDU na Câmara de Vila Franca, considerando que o município já devia ter feito mais para defender os seus direitos e para ajudar e informar os particulares que estão a braços com este problema.

O concelho de Vila Franca de Xira estende-se pelas duas margens do Tejo e tem uma frente ribeirinha com mais de 44 quilómetros de extensão. Se do lado esquerdo do rio estão, fundamentalmente, em causa terrenos agrícolas, pela margem direita do Tejo estende-se todo o corredor urbano do município, com as cidades de Vila Franca e da Póvoa de Santa Iria, a vila de Alhandra e o lugar da Vala do Carregado, várias fábricas e múltiplos equipamentos colectivos.

A presidente da câmara, Maria da Luz Rosinha, também está preocupada e diz que, depois de vários contactos, enviou uma exposição extensa aos grupos parlamentares. A resposta demorou e a autarca adianta que também já fez chegar a sua preocupação ao novo ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva. Na semana passada contactou directamente os grupos parlamentares.

"A informação que tenho é que haverá dois diplomas, um do PS e outro do PSD, que serão discutidos nas próximas semanas e que este assunto terá uma alteração legislativa antes de Dezembro", explicou Maria da Luz Rosinha, que sabe apenas que a alteração poderá passar por deixar "sem prazo" esta exigência de demonstrar que a parcela em causa já pertencia ao domínio privado antes de 1864 ou de anular na totalidade esta exigência prevista no artigo 15º da Lei 54/2005. "Não é uma lei de ontem, mas à medida que se aproxima do fim do prazo é quando surgem as dores de barriga", diz a autarca socialista, que está a terminar o seu último mandato.

Nuno Libório é que não se mostra convencido e sublinha que o problema não está só nos edifícios do cais de Vila Franca e das zonas ribeirinhas de Alhandra e da Póvoa, mas também "nos muitos milhões de euros investidos pela câmara na zona ribeirinha – parques urbanos caminhos ribeirinhos, jardins, núcleos museológicos – que, de um momento para o outro, passariam a ser propriedade da administração portuária. É uma situação que urge resolver. Quem aprovou isto ou não sabia ou brincou com coisas sérias", criticou o eleito da CDU.

"Acredito naquilo que os grupos parlamentares me disseram. Também já fizemos chegar esta solicitação ao senhor ministro Jorge Moreira da Silva. Creio que vai deixar de ser uma preocupação tão imediata para as pessoas", afirma Maria da Luz Rosinha. De qualquer forma, para prevenir desfechos menos favoráveis, a autarca observa que está a terminar a recolha de assinaturas contra esta exigência legal na zona do cais de Vila Franca. "A entrega aos grupos parlamentares deverá ocorrer durante a próxima semana e a câmara ajudará no encaminhamento desse abaixoassinado", conclui a autarca.

Parecer admite obrigação de indemnizar

Mesmo a posse pacífica, pública e ininterrupta durante décadas não prova aqui a propriedade

O polémico artigo 15.º da Lei 54/2005 abrange "parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis". A lei especifica que se considera "margem" uma faixa de terreno, normalmente de 50 metros, "contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas". A referência a 31 de Dezembro de 1864, data em que as parcelas tinham de ser privadas para agora serem reconhecidas como tal, tem a ver com uma lei que então definiu os domínios hídricos públicos e privados.

Em Vila Franca de Xira, vários proprietários solicitaram pareceres sobre esta matéria, inclusivamente à câmara. Uma jurista do município emitiu um parecer em que refere que a lei é clara ao exigir uma prova de que a parcela era privada antes de 1864 e que, nesse contexto, "nem uma sentença, nem um registo lavrado que demonstrem uma posse pacífica, pública e ininterrupta (mesmo que durante décadas) produzem o efeito de aquisição de um direito de propriedade, persistindo a presunção de que pertencem ao domínio público".

O parecer defende que "construções não abusivas" feitas em terrenos do domínio público, desde que "realizadas com boa-fé e com a permissão das entidades competentes", constituem propriedade privada. Por isso, defende que, "se o Estado desapossar o proprietário do terreno e/ou a construção nele implantada (...), deve indemnizar o proprietário", de acordo com a Constituição da República e com o Código das Expropriações.

Jorge Talixa | Público | 23-09-2013

Comentários (6)


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Domínio Marítimo e Propriedade
Parece haver um erro de interpretação da lei. O domínio público marítimo não exclui a propriedade privada do prédio rústico ou urbano. Significa tão só que nesse espaço o Estado tem uma particular jurusdição tendo em vista, nomeadamente, garantir o livre acesso público às águas e a segurança da navegação. Por exemplo, um edifício não poderá ter luzes de cores convencionadas para sinalização de navegação.
Há a presunção de propriedade do Estado do domínio publico, mas aqui a lei especifica que isto ocorre quando não há título legal de propriedade privada. Nestes casos sim: quem reivindicar a posse do terreno, tem que fazer prova de que ele era propriedade privada anteriormente a 1864.
A lei tem, de facto, falhas, mas aqui parece-me cristalina.
Manuel Faria , 24 Setembro 2013 | url
Expropriação vs roubo
Tenho um pequeno terreno junto ao rio Nabão (navegável a pequenas embarcações fora do Verão), Quase de certeza abrangido por esta lei até porque a lei não refere apenas a rios navegáveis, variando a faixa entre 30 a 50 metros conforme se é rio, albufeira, mar...
Lógico seria o Estado e as câmaras aplicarem a lei da limpeza dos cursos de água e/ou expropriarem zonas e terrenos não registados ou com utilização abusiva. Agora, vão expropriar também terrenos agrícolas que já agora dão prejuízo aos proprietários e mais prejuízo darão se tiverem que andar a pagar taxas adicionais... A aplicação desta lei é um abuso e vai sofrer as mesmas tendências que a nossa economia. Os terrenos junto aos cursos de água vão ser abandonados, bem como os terrenos perto destes... Uma das coisas que valoriza um terreno é a existência de água, se a retirarem, os terrenos ficam a valer ZERO! É isto que querem fazer para "alguns" depois comprarem a troco de NADA?
E vão ser os velhinhos ignorantes de leis de 1940 em diante que vão ter que se mexer e intentar acções em tribunal, de si, já entupidos de processos...
Acho que os ignorantes são mesmo os que estão a fazer as leis... Vivem num mundinho à parte de tudo o que é real e depois é o que se vê.
Rui Martins , 26 Setembro 2013 | url
...
Parece-me uma nacionalização encapotada.
Franclim Sénior , 27 Setembro 2013
Ignorância ou seja lá o que fôr de alguns juízes ?
A lei 54/2005 é clara e diz que os propriatários dos terrenos junto aos rios têm que fazer prova que esses terrenos já eram particulares há 150 anos .
Esta prova não pode ser feita na Conservatória mas sim em tribunal .
Deve ter documentos que ateste essa posse apresentá-los ao tribunal e este atestar tal veracidade .
Que se passa com alguns juízes que querem que essas pessoas vão com uma acção contra o Estado Português ? alguém sabe informar de tal decisão ? Que motivos levam uma juíza a tomar tal atitude ?
jose , 08 Janeiro 2014 | url
estamos entregues à bicharada
A lei é clara, e o que diz a lei 54/2005 é que o particular que queira ver o seu direito de propriedade reconhecido terá que intentar uma acção contra o estado português e demonstrar por provar documental que aquele terreno pertence a privados desde 31 /12/1864.
O que o nosso legislador não sabe nem quer saber é da dificuldade que existe, na busca dos mencionados documentos, porque se soubesse modificava imediatamente a lei....Por isso, para a maioria dos cidadãos vai ser dificilimo fazer a mencionada prova.Ou seja, o que o estado pretende é que os cidadãos fiquem mais pobres, pois vai reinvindicar para si, sem custos, o que a muitos custou a adquirir.
do contra , 29 Janeiro 2014
Atenção aos ladrões.
Com a falta que há deles, só tenho medo que me roubem também os meus. ( "tomates".)
Zé povo , 14 Março 2014

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