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REVISTA DE 2013

Tribunais, juízes e o Estado de direito

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Mouraz Lopes e Nuno Coelho - O recente acórdão do Tribunal Constitucional sobre as normas do Orçamento do Estado para 2013 merece ser apreciado à luz do papel dos tribunais e dos juízes num Estado de direito democrático.

Nestes últimos três anos, o Tribunal Constitucional proferiu seis acórdãos nos quais vem definindo de forma consistente como devem ser interpretados os princípios constitucionais que poderiam estar em causa nas medidas orçamentais de cariz restritivo que o Parlamento e o Governo têm vindo a aprovar - medidas justificadas pela situação de crise financeira nacional e pelo plano de ajuda a Portugal, que exige o cumprimento de padrões rigorosos de redução dos défices públicos.

Nos acórdãos de Julho de 2012 e Abril de 2013, o Tribunal Constitucional considerou que em determinadas situações se encontravam em causa princípios constitucionais de igualdade e proporcionalidade que definem limites da acção política e governativa em matéria de direitos fundamentais. Por isso, declarou a inconstitucionalidade de algumas normas orçamentais para os respectivos anos, nomeadamente a suspensão do pagamento de determinadas remunerações (subsídios de férias ou equivalentes) e a aplicação de contribuições especiais sobre os subsídios de doença e do desemprego.

Estas decisões marcam de forma muito impressiva a vida de todos os portugueses e têm uma repercussão política e financeira óbvia, com um impacto económico que se encontrava antecipadamente quantificado. Os acórdãos e as respectivas declarações de voto fazem claramente a distinção entre os argumentos que são do direito e as preocupações que devem informar as decisões políticas. Convém não esquecer que o Tribunal Constitucional actuou na sequência de pedidos formulados por políticos e no normal funcionamento das instituições da democracia. Os actores políticos - sobretudo a Presidência da República, a Assembleia da República e o Governo - não podiam deixar de prever que decisões deste tipo viessem a ser proferidas.

As decisões podem ser criticadas, interpretadas e sujeitas a comentários da mais diversa origem e especialidade. Não se pode é colocar em dúvida que são uma expressão do funcionamento do Estado de direito e estão legitimadas nos princípios mais básicos das sociedades democráticas. Estes princípios não podem ser mera retórica, pois o seu esquecimento coincidiu historicamente com perversões ideológicas e políticas de má memória.

Nestes momentos, torna-se nítida a importância da separação de poderes e percebe-se como é vital a independência da função jurisdicional. Quando o cidadão se sente violado nos seus direitos e nas suas justas expectativas, tem de poder acreditar que as decisões dos juízes se encontram livres de compromissos ou interesses exteriores à interpretação da lei e da Constituição.

O valor da independência dos tribunais e o estatuto dos juízes ganham aqui um valor incalculável para a cidadania e para a democracia. Esse estatuto e essa independência devem ser assegurados nas reformas da justiça que estão em curso. Uma eventual virulência da crítica política às decisões dos tribunais não se pode transformar em retaliação a quem exerce a função de juiz.

O cidadão e a democracia têm de estar atentos ao sentido e ao alcance das reformas em curso nesta área.

Mouraz Lopes e Nuno Coelho | Diário de Notícias | 12-04-2013

Comentários (10)


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Ainda existe a ASJP ou já só é uma plataforma para algum lugar?
Sun Tzu , 12 Abril 2013
...
Só espero é que daqui a uns meses, o Governo não imponha à Assembleia da República uma qualquer alteração- ou várias- ao Estatuto dos Magistrados Judiciais por forma a "domesticá-los" de modo facilitado...

Ou então- que é o mais certo- proceda a tais alterações por via da aprovação de mais um orçamento de estado...

E desta vez, antecipando o fel que aí vem, lá se vai o subsídio de compensação, os cortes temporários passarão a definitivos, deixará de haver deslocações gratuitas ainda que no exercício de funções, e, quem sabe, passaremos a pagar uma qualquer taxa para podermos trabalhar...

Obviamente, a desculpa já se adivinha: a Troika será a responsável em última instância por essas medidas, pois que se conterão num qualquer ponto do memorando de entendimento. E o nosso "querido" Presidente da República assobiará para o lado...

Saudações a todos.

P.S. Já alguém se deteve, por um momento, a pensar no valor ou natureza jurídica do tal memorando de entendimento? Sim, aquele que ninguém conhece... não está publicado em lado nenhum oficial, e ao que parece a versão definitiva nem sequer se encontra redigida na língua oficial deste país...
Claro que com isto não pretendo afastar a nossa obrigação de pagar as dívidas que contraímos, apenas reflectir sobre o modo como nos impõem tal pagamento...
Paródia , 12 Abril 2013
Papel da ASJP
Saúdo a ASJP e o Prof. Nuno Coelho pelo artigo que subscreveram. A defesa da independência dos Tribunais e do respeito pelas suas decisões é uma das missões da ASJP. Por outro lado, a independência dos Tribunais é uma garantia dos cidadãos e não um privilégio dos magistrados. Os Tribunais não podem ser arrastados para o palco político, nem se lhes pode exigir que "assumam as suas responsabilidades políticas". O Sr. PM devia ter medido as suas palavras.
Pedro Silveira , 12 Abril 2013
...
Sr. Dr. Paródia,
no Aventar pode consultar os memorandos em Português e Inglês dos dias 3 e 17 de Maio de 2011: http://aventar.eu/2011/05/04/m...portugues/

No portal do governo está disponível apenas o memorando de 17 de Maio de 2011, em Português, formato pdf: http://www.portugal.gov.pt/med...110517.pdf
Franclim Sénior , 13 Abril 2013
...
Quem falou em independência?
Todos sabemos, ou melhor aqueles que não andam a dormir, como eles, Srs. Juízes chegam lá.
ou será que os partidos políticos vão prescindir de indicar quem quer que seja para o lugar, é que, se bem me lembro, foi falado iríamos ter alguém de sangue azul no TC, Con....
Quanto ao acordão, antes de me pronunciar gostaria de saber se os Srs juízes consultaram alguns especialistas na matéria, diga-se economistas, fiscalistas..., é porque senão estão-se a pronunciar sobre coisas de que não percebem patavina, mais parecendo, aqueles comentadores, e jornalistas , que percebem de tudo, futebol, justiça, economia, fiscalidade.
Olhão , 14 Abril 2013
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O simples facto de os juizes do TC aceitarem o estatuto que têm já diz alguma coisa sobre o seu caráter.
Valmoster , 15 Abril 2013
...
Fom Fom Fom...
Não é porque a Constituição diz que tenho direito à alimentação que o bacalhau da Ti Narcisa me aparece no prato.
Rosa Rosmaninho , 15 Abril 2013
Fom? Fom pois!
Está errada Rosa Rosmaninho!

Se for parceira de uma PPP , Nunca lhe faltará o bacalhau!
O da Ti Narcisa, O da Ti Felismina, o da Ti Olinda e o do Zé Povo todo!

O que a Constituição diz, Fom Fom Fom, é que a falta de bacalhau (ou a sua abundância) é para todos!
Baron Hubert Von Trak , 15 Abril 2013
...
Camarada, ...bacalhau com todos também há, mas a clientela não assim quis ...deu miséria há uns 25 anos.
Rosa Rosmaninho , 16 Abril 2013
...
O TC nunca foi tido como um Tribunal constituído por Juízes independentes, mesmo que alguns, individualmente, possam comportar-se com louvável independência.
O TC é um tribunal político, de designação política, com funções de apreciação política das leis.
Os juízes do TC são uns privilegiados, quer na aposentação quer nos carros... ou algum Conselheiro do STJ dispõe das mesmas regalias?
É, por isso, muito discutível a força moral do TC para fazer juízos de igualdade, proporcionalidade ou outra "ade"
Por isso, não misturem o TC e os seus Juízes com os Juízes e os restantes Tribunais.
Mesmo que as decisões do TC lhes agradem... e, menos ainda, só quando lhes agradam.

Quanto à CRP basta puxar pela memória (quem a tenha e queira usar) para recordar como foi atribulada e sua redacção son o efeito de chantagens, cercos à AR e outras malfeitorias das forças então dominantes.
Pode ter muito socialismo mas, como refere Rosa Rosmaninho, não põe bacalhau na mesa.
Neste momento até começa a ser um travão à digestão de um naco de pão.
Mário Rama da Silva , 16 Abril 2013

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