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REVISTA DE 2013

Justiça sumária

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Rui Pereira - Na sequência das recentes alterações ao Código de Processo Penal, está a ser julgado em processo sumário, pela primeira vez, um homicídio doloso, ou seja, "voluntário".

Trata-se do julgamento de um crime cuja pena pode variar entre um mês (limite mínimo do homicídio a pedido da vítima) e vinte e cinco anos de prisão (limite máximo do homicídio qualificado), realizado por um só juiz, sem prévio inquérito ou instrução. Tal simplificação é justificada por o arguido ter sido detido em flagrante delito. Mas a justificação será suficiente?

A primeira objeção a um alargamento do processo sumário a casos de tamanha gravidade resulta do próprio âmbito do flagrante delito. Este conceito abrange o "quase flagrante delito" (em que o crime já acabou de ser cometido), a "presunção de flagrante delito" (em que o suspeito é encontrado com "objetos do crime") e, sobretudo, casos em que a detenção é efetuada por uma pessoa qualquer (por exemplo, por um trabalhador da segurança privada) que entregue o suspeito a uma autoridade judiciária ou entidade policial no prazo de duas horas.

Por outro lado, é altamente discutível que as penas mais pesadas – até vinte e cinco anos de prisão – possam ser aplicadas por um só juiz, quando até em provas orais universitárias, longe do dramatismo do processo, se costuma exigir a intervenção de um coletivo. Além disso, o novo regime legal impede a intervenção do tribunal do júri (previsto na Constituição para os crimes mais graves) no julgamento do "crime dos crimes", o homicídio, mesmo que o ofendido (constituído assistente) e o arguido o desejem – o que é de duvidosa constitucionalidade.

Por fim, a celeridade e a dispensa das fases preliminares podem inviabilizar diligências essenciais para a determinação da gravidade do facto ou da culpa do arguido, cujas variações são muito sensíveis no crime de homicídio. Embora se admita o reenvio do processo para a forma comum, exige-se que seja "devidamente" justificado. Assim, sem incorrer num excesso de garantismo, conclui--se que a recente revisão do processo penal foi precipitada. E, tal como as estatísticas sobre a pendência processual revelam, não se explica por razões de morosidade.

Rui Pereira, Professor Universitário | Correio da Manhã | 09-05-2013

Comentários (8)


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TEORIAS e mais teorias...
Por causa das teorias, e mais teorias, e teorias sem fim, que é disso que vivem os escritórios de advogados, entre outros, como o caso do autor do artigo, é que a justiça funciona mal e os processos se arrastam!!!!
Pedro Moura , 09 Maio 2013 | url
...
--I
---Argumento dos exames: ...há arguidos condenados em prisão por intervenção do tribunal singular, independentemente do "quando até em provas orais universitárias, longe do dramatismo do processo, se costuma exigir a intervenção de um coletivo. "
---Argumento das "diligencias essenciais": o conceito de visibilidade da prova é isso mesmo! Evitar o lerolero, vai-vem verbal sobre o óbvio. Ah!, a perícia, é isso? Coloque-se o morto na sala, se ele se levantar, pode haver tentativa...que é um "minus" de ilicitude;
---Argumento do júri: quantos conhecem?
---II
Argumento essencial: quantos olhos vêm o processo? Ora, o julgamento é gravado, os advogados e o MP estão atentos, havendo recurso duas pessoas decidem, e eventualmente mais...;
---III
Porque não estender ao processo comum?
Freitas , 09 Maio 2013
...
Um homicidio não é por si só um crime complexo. Numa boa parte das situações é até um crime cuje apreciação é de extrema simplicidade e onde o tribunal tem á sua disposição todos os elementos necessários a uma boa decisão. Onde as respostas a onde, quando, como, porquê, etc são dados adquiridos. È só aplicar a lei. Tudo o resto são garantismos inuteis de que se ocupam aqueles que pensam sempre que o que está é que está bem.
Valmoster , 09 Maio 2013
Esta reforma vai no bom caminho.
Discordo totalmente da opinião de Rui Pereira. Finalmente, e felizmente, o sistema penal português começa a a abandonar o seu pendor excessivamente garantístico e processualista para os direitos dos arguidos, e passa a proteger mais os direitos das vítimas e dos ofendidos. Assim andou bem esta última reforma do CPP, e vai no bom caminho.
Tomás River , 10 Maio 2013 | url
Querem ver que ainda vai haver assassinos inocentes na prisão?
smilies/grin.gifsmilies/grin.gifsmilies/grin.gif
O que a malta gosta é de muitos direitos humanos.E que haja quem os pague claro...
Lusitânea , 10 Maio 2013
Quem te avisa..
Também não gosto muito deste «rapaz», mas quando diz coisas ajuizadas não me importo de lhe reconhecer a razão.
Cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém....
Eu cá não gostaria de ser julgado por um único juiz se tivesse cometido um crime grave. Algum de vós estaria tranquilo?
Francisco do Torrão , 10 Maio 2013
...
Bom Dia!

Com o devido respeito, fico na dúvida se esta reforma foi precipitada por não ter sido obra sua. Olhe-se para a anterior reforma do Código Penal e percebemos que essa sim, é uma coisa com pés e cabeça. Dizerem que essa reforma mais parecia com destino certo (estava na altura em fase crítica o processo Casa Pia) é que foi precipitado.
Gaba-te cesto.
Não, a mais recente reforma do CP parece ter passado por cima de muita coisa, mas não é pior do que aquela que teve na sua génese o Prof. Rui Pereira. Ambas foram precipitadas e pisaram muita coisa.
Se é certo que existem garantias em excesso no processo penal, parece claro que neste caso nem é isso.
Ninguém está livre de um dia ser arguido num processo e, nesse dia, por certo irá lembrar-se que há direitos que são básicos e que passaram a ser vistos como um mau formalismo para as estatísticas e para o economicismo.
Respeitosamente.
Orlando Teixeira , 11 Maio 2013 | url
...
Já o escrevi noutro post; reitero: a minha repulsa pelo fim dos julgamentos colectivos para penas até 25 anos.
Franclim Sénior , 13 Maio 2013

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