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REVISTA DE 2013

Novo Processo Civil, não havia necessidade

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Ricardo Sá Fernandes - 1.O novo Código de Processo Civil consagra alternativas que, na maioria das situações, têm consistência e, em vários casos, introduzem melhorias de funcionamento na vida dos tribunais. Mas eu não teria ido por aí.

Só um grande equívoco acerca dos males da justiça portuguesa é que pode ter feito o legislador pensar que um novo código traria a cura para os nossos atrasos e ineficiências, já que a sua causa – excepto em questões pontuais merecedoras de intervenções cirúrgicas não está na lei do processo, mas na gestão dos recursos que o Estado coloca ao serviço da justiça. Para além, é claro, de termos, aqui e ali, falta de qualidade do serviço prestado, mas isso também é o reflexo de uma questão nacional de âmbito mais geral (educacional, cultural, cívica, etc.).

2. Passo a explicar melhor, com alguns exemplos de situações conhecidas.

Um dos bloqueios mais graves à eficiência da justiça reside na demora das perícias, quase sempre a cargo de estabelecimentos do Estado. Dentro de dias, terei o julgamento de um acidente de viação em que a vítima (nonagenária) aguardou quatro anos e sete meses pela perícia no INML.

Na área da família e menores, é comum os relatórios sociais do Instituto da Segurança Social demorarem um a dois anos a serem concluídos. Ainda este ano tive um caso dramático, classificado de urgente, em que aguardei oito meses. Nas execuções, entregou-se a acção executiva a agentes de execução insuficientes em número e em qualidade, o que gera a consequência, para todos os que operam nesta área, de termos processos parados há anos. É como se atirássemos pedras para um poço sem fundo. Idem para as insolvências, onde faltam administradores e, muitas vezes, a qualidade exigível no exercício dessas funções.

Depois, há problemas de gestão dos funcionários judiciais. E também dos magistrados. Há comarcas em que se demora meses ou anos a abrir o que as partes enviam por via informática, como, ainda recentemente, na zona do Ribatejo, me aconteceu com uma contestação apresentada electronicamente, que esteve 14 meses sem ser aberta e remetida ao autor. Noutro exemplo, aguardo uma sentença de um processo na região da Grande Lisboa, cujo julgamento teve lugar há 18 meses. Etc., etc., etc.. E nada disto tem a ver com a lei do processo.

3. Por outro lado, um novo código gera sempre conflitos de adaptação e de sedimentação jurisprudencial, pelo que frequentemente os ganhos pontuais obtidos com as melhorias introduzidas acabam por se perder no gravíssimo inconveniente de novas incertezas que se prolongarão durante anos, sobretudo quando as reformas são apressadas, como infelizmente aconteceu mais uma vez. "Depressa e bem não há quem..."

4. Passo igualmente a exemplificar, com alguns berbicachos que o novo código criou. Até 1 de Setembro, a lei do processo estabelecia regras seguras sobre a apresentação das peças processuais e sobre a notificação aos mandatários dos actos judiciais. Aquela apresentação podia ser feita por via electrónica (através da plataforma Citius), por correio registado, por fax ou em mão. Por seu turno, a notificação aos mandatários era feita ou através da plataforma Citius ou por carta registada, a qual se presumia recebida ao terceiro dia após a expedição.

Ora, o novo código impõe que esses actos sejam obrigatoriamente praticados por transmissão electrónica de dados, através da referida plataforma Citius, eliminando as vias alternativas.

Discordo da solução, porque não me conformo com a ditadura da informática.

Mas não é essa preocupação que trago agora ao leitor.

A questão está em que o legislador se esqueceu que o Código de Processo Civil é a matriz de todos os demais regimes processuais, a eles se aplicando subsidiariamente.

A consequência é que, perante o vazio legislativo, ninguém sabe se, onde não há Citius (processo penal, administrativo e tributário, bem como, no processo civil, nos tribunais superiores), podemos continuar a considerar cumprido o prazo na data em que remetemos a peça por correio registado.

Ou até se o podemos fazer por telecópia.

Por seu turno, quando um advogado recebe uma carta registada (nos processos onde não funciona a plataforma Citius, excepto no processo penal que tem regras especiais), ninguém sabe se a notificação opera no dia em que chega a carta ou se continuamos a presumir que a notificação ocorre três dias depois, de acordo com uma regra que existia desde 1976 e desapareceu.

Isto é, ou há uma rapidíssima clarificação legislativa ou teremos o caos instalado nos tribunais.

Ricardo Sá Fernandes | Público | 07-09-2013

Comentários (12)


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...
Pensava que o artigo era sobre processo civil.
Afinal, não é.
Tontinho, pensar que RSF sabia alguma coisa de processo civil.
ALF , 08 Setembro 2013
...
Então os advogados?
As principais fontes de ineficácia do sistema são precisamente: a cultura do "atirar o barro à parede", da deficiente articulação dos factos, das constantes suspensões da instância, do arrastar das sessões de julgamento para "render o peixe" (leia-se honorários), da quase inexistência cultura da resolução extra-judicial das questões, etc., etc., tudo feito pelos advogados.
Contribuinte espoliado , 08 Setembro 2013
...
Caro contribuinte espoliado, você é outro que sofre do síndroma do advogado. Eu que n sou advogado, mas se os mesmos fazem isso, é porque a Lei o permite. Lei esta muitas x mal analisada pelos seus colegas juízes.
E decisões complexas como a de acusar e prender no caso dos submarinos, face oculta...tão quietos...
Enfim...
novos juízes e novos advogados é o que se precisa.
Cumpts
Carlos , 09 Setembro 2013
...
um processo atrasado interessa sempre a uma das partes.
o resto é conversa fiada.
abc , 09 Setembro 2013
...
ai que saudades do rigor...

estou mesmo a ver a quantidade de nulidades e de recursos relacionados com a material de facto.
maria s. , 09 Setembro 2013
...
Ah ah ah. É tão comovente ver aqui autoproclamados "não-advogados" a defenderem os advogados quando (legitimamente)criticados e a atacarem os juízes por tudo quanto é lado.

E sim, estou com o Contribuinte espoliado. A luta pela Justiça neste país tem de ser feita contra a classe dos advogados (tal como ela hoje existe, que é bem diferente daquilo que dela espera a CRP quando atribui aos advogados o papel que atribui). Este "NCPC" é mais um embuste, pois em nada moraliza a litigância ao não introduzir mais penalizações para os infratores processuais, ao aumentar os casos de recurso da matéria de facto (agora, todas as tretas são gravadas, para permitir o recurso), obrigar os juizes a levarem com 10 testemunhas de cada lado (quando, anterirmente, numa ação sumária, não poucas vezes, eram apenas 3 de cada lado, pois existia apenas 1 quesito) a falarem de "toda a matéria" (quando anteriormente, havia limitações por quesito) - i.e., em causas "médias" e "pequenas" mais testemunhas e depoimentos "maiores". Ah, e a nova trweta das declarações das partes (ai, tanta certidão que certamente "choverá").


Em suma: este "NCPC" é um verdadeiro embuste e, sobretudo, assenta - embora subrepticiamente - numa MENTIRA GROSSEIRA (a de que os verdadeiros empasteladores do sistema são os Juizes e os funcionários; basta ver o regime PIDESCO dos prazos de despacho e cumprimento do despacho e do início das audiências - EU VOU DEIXAR DE ESPERAR PELOS ADVOGADOS, POIS CHEGO SEMPRE À HORA - e comunicações por tudo e por nada ao presidente da comarca).




mais os
Zeka Bumba , 10 Setembro 2013
...
Caro Zeka Buma o Omnipresente ser da Internet.
Então diga-me uma coisa, já que fica ofendido quando se atacam juízes. Não decidem os juízes através de Leis criadas pela supra sociedade de advogados? Não serão estas sociedades as mentoras dos lobbies e dos atrasos...é que você distinga o advogado liberal dos sócios das sociedades de advogados que minam o poder, a justiça...cabe aos juízes uma justiça mais célere...e não crítica sem ponta de espada...
Já saiu?
smilies/kiss.gif
Carlos , 10 Setembro 2013
...
Caro Carlos, o advogado que não é advogado,


Pois, parece que tem razão, o empastelamento e os alçapões começam na feitura das leis pelas ditas sociedades dessa classe e acaba no "mis en scène" dessas leis com os "barros atirados à parede", com os expedientes dilatórios, os articulados ineptos mas prolixos de inutilidades e os requerimentos completamente desprovidos de fundamento legal.

Mas que classe a sua, meu caro...smilies/grin.gif
Zeka Bumba , 11 Setembro 2013
...
Mas parece-me a mim que não respondeu à questão.
Os Juízes não seguem as Leis dessa classe? O que fazem para mudar a justiça? Diga-me você que acredito cada vez menos na justiça, seja advogados seja juízes de sala...que só opinam mas praticamente a sua qualidade, é nula!
Diga-me lá, uma supra sumo classe que segue a classe rasca como apregoa...
Novidades acerca da evolução jurídica à custa dos juízes onde está? Pois não se vê...limitam-se a vir para aqui descarregar por vezes a sua inutilidade e guerrilha contra advogados que como diz, atrasam tudo em seu prol...
Carlos , 11 Setembro 2013
...
Em teoria inconstitucional não há plano que consiga aprovar o analiticamente incompreensível e como tal o obséquio da questão em si formulada pelo novo Código Civil.
Sendo assim o 1.º passe para determinada classe supostamente apaziguadora e decisora do facto material e relevante estar a anos de luz desta reforma.
Podemos então concluir que assim, será de facto uma nova esperança para o executado vs juíz de campo e previsional.
Cumpts
Maria , 11 Setembro 2013
...
Meu caro Carlos,

Está, quiçá a fazer a pergunta ao destinatário errado. De todo o modo, é verdade que os tribunais aplicam as leis que lhes dão para as mãos. E nem pode ser de outra maneira. PORÉM - e eu faço-o, acreditando o meu caro se assim entender - a hermenêutica jurídica é muito ampla e, com uma boa fundamentação permite até aplicar a norma de molde a evitar que ela permita prosseguir os motivos - frequentemente espúrios - que estiveram na sua génese.

MAS, depois, há os recursos, meu caro. Ah, pois há...
Zeka Bumba , 12 Setembro 2013
...
Zeka, não cabe à vossa classe...mudar um pc isto?
Por exemplo ter Juízes em cargos privilegiados a tomar conta de medidas concretas? Não, não os do Tribunal Constitucional a cargo de politiquices não.
Como vê, os advogados das sociedades de advogados controlam os lobbies, fazem e dispõem das leis, vão para tribunais discutir leis que eles próprios criaram...tem ajustes directos vergonhosos, sobretudo com a RTP e águas de Portugal...
Não seguem o código deontológico nem o tem pois estão no Parlamento.

Onde está a força da Justiça? Dos Juízes? Explique-me que eu gostava que isto mudasse em termos de mentalidades...
Carlos , 12 Setembro 2013

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