Nos últimos três anos, com a chegada da troika a Portugal e a necessidade de o Governo emagrecer o Estado, muitas vezes à custa de uma brutal limitação da capacidade económica dos cidadãos, tem aumentado o clima de tensão, e até de crispação, entre o Governo e o Tribunal Constitucional (TC). E o debate alastra-se ao resto da sociedade e os juízes vão ganhando a simpatia de muitos portugueses sempre que chumbam uma lei que implica mais austeridade e vão coleccionando críticas por parte do poder político.
E se o Governo coleccionasse um cromo por cada decisão adversa do TC, já teria uma caderneta bastante preenchida. Desde o chumbo do diploma que visava criar o preceito do crime de enriquecimento ilícito, passando pela declaração de inconstitucionalidade do corte dos subsídios (férias, Natal, doença e desemprego), pelo travão à criação das comunidades intermunicipais e terminando nos reveses com o diploma da requalificação e no chumbo de algumas alterações igualmente polémicas ao Código de Trabalho.
E o debate voltará agora à actualidade com a fiscalização, seja preventiva seja sucessiva, do corte das pensões da CGA e dos salários na função pública. Não obstante alguns preceitos anacrónicos que ainda possa carregar a Constituição, o debate não se tem centrado, e bem, na lei fundamental em si, mas na sua interpretação. Quando o TC chumbou os despedimentos no Estado, Passos Coelho fez uma reflexão sensata: o chumbo "não foi por causa da Constituição, foi por causa da interpretação que os juízes do TC fazem da Constituição". E o primeiroministro tem razão: nenhuma Constituição pode prescindir dos princípios da liberdade, equidade, proporcionalidade e confiança, muitos dos quais têm sido evocados pelos juízes para travar medidas de austeridade. E se a questão se resume à interpretação subjectiva de normas, muitas vezes é caso de dizer "cada juiz, sua sentença". Basta ver que os acórdãos nem sempre são unânimes e ler as declarações de voto por vezes contraditórias. Ou basta ver que Cardoso da Costa, que durante vinte anos ocupou a cadeira que hoje é ocupada por Joaquim Sousa Ribeiro, diz que, se fosse ele, não chumbaria a norma que este ano pretendia suspender parte dos subsídios de férias.
Os juízes são nomeados a partir de órgãos políticos. Mas, quando chegam à Rua do Século, têm tão-só o mandato de defender a Constituição e pronunciarem-se sobre normas que sabem poder ser passíveis de diversas interpretações. Os juízes não vivem numa redoma e têm de ser sensíveis ao contexto em que vive o país e ao debate político e social que acontece para lá dos muros do Palácio Ratton. Interpretar a Constituição não é uma ciência oculta e muito menos uma ciência exacta. Como tal, seria uma grande anormalidade considerar normal que os juízes estão acima de qualquer crítica. Tal como seria anormal não respeitar e acatar as suas decisões.
Editorial Público | 17-11-2013
Comentários (4)
Exibir/Esconder comentários
...
opções
estas opções devem respeitar a lei fundamental.
o defensor da lei fundamental é o tc.
portanto, o tc deve fiscalizar se as opções legislativas violam ou não a lei fundamental.
simples. numa democracia a sério, do 1º mundo.
...
Os comentadores habituais desta revista "passaram-se". Esqueceram o acórdão 11/83 que justificou impostos retractivos no tempo de Soares.
Paísde mentecaptos!
...
Processo n.º 94/83.
Plenário.
Relator: Conselheiro Martins da Fonseca.
Acordam no Tribunal Constitucional:
ARTIGO 1.º
É criado um imposto extraordinário cujo produto reverte integralmente para o Estado e que incide separadamente:
a)Sobre os rendimentos colectáveis respeitantes ao ano de 1982 sujeitos a contribuição predial;
b)Sobre os rendimentos colectáveis respeitantes ao ano de 1982 sujeitos a imposto de capitais, secções A e B, exceptuados os juros de obrigações emitidos por qualquer sociedade e depósitos confiados a estabelecimentos legalmente autorizados a recebê-los;
c)Sobre as remunerações cenas e permanentes respeitantes aos meses de Janeiro a Setembro de 1983:
I) Sujeitos a imposto profissional;
II) Dos servidores do Estado a qualquer título, civis e militares, e de qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os órgãos de coordenação de assistência, incluindo os titulares de cargos políticos;
III) Dos servidores das autarquias locais e das suas associações;
IV) Dos servidores das pessoas colectivas de direito público, de utilidade pública e utilidade pública administrativa, incluindo instituições privadas de solidariedade social;
V) Dos servidores das cooperativas, suas federações e uniões;
VI) Percebidas por quaisquer pessoas que trabalhem, a qualquer título, para pessoas singulares ou colectivas;
d) Sobre o rendimento colectável dos que exerçam por conta própria algumas das actividades constantes da tabela anexa ao Código do Imposto Profissional, relativo a 1982.
ARTIGO 3.º
As taxas do imposto extraordinário previsto na presente lei são as seguintes:
a)Sobre os rendimentos previstos nas alíneas a), b) e d)do artigo 1.º ………..….........6 %
b) Sobre os rendimentos previstos na alínea c) do artigo 1.º ………………………….2,8%
A questão suscitada gira fundamentalmente em torno do problema da retroactividade de um decreto da Assembleia da República.
Todavia, o Tribunal Constitucional é livre para fundamentar uma eventual declaração de inconstitucionalidade, nos termos do n.º 5 do artigo 51.º da Lei n.º 28/82, na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles que foram invocados pelo Presidente da República.
O Decreto n.º 32/III será assim analisado não só em função da questão de inconstitucionalidade levantada pelo Presidente da República, como ainda à luz de outras regras constitucionais cuja eventual violação possa suscitar dúvidas.
Em resumo, abordar-se-ão de seguida, numa óptica resolutiva, os seguintes pontos:
I) Se o princípio da irretroactividade é constitucionalmente consagrado ou, não o sendo, se a retroactividade que caracteriza os artigos 1.º e 3.º do Decreto n.º 32/III atingiu um grau tal que se possa ter por violador de outras regras constitucionais;
II) Se houve violação das regras formais que constitucionalmente regem a articulação dos diplomas que criam impostos com a lei anual do Orçamento do Estado;
III) Se houve infracção de regras materiais da Constituição fiscal;
IV) Se houve violação dos artigos 229.º, alínea f), e 255.º da Constituição.
Nestes termos, o Tribunal Constitucional não se pronuncia pela inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 1.º e 3.º do Decreto n.º 32-III, da Assembleia da República.
Lisboa, 12 de Outubro de 1983 — José Martins da Fonseca — Messias Bento — Luís Nunes de Almeida — Jorge Campinos — Raul Mateus — Monteiro Diniz — José Magalhães Godinho — José Manuel Cardoso da Costa — Mário Afonso — Mário de Brito (vencido, conforme a declara¬ção de voto anexa) — Vital Moreira (vencido, nos termos da declaração de voto junta) — Armando Marques Guedes.
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucio...30011.html ]
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19830011.html?impressao=1