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REVISTA DE 2013

Economia, opções e justiça constitucional

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Paulo Pereira Gouveia - 1. Como é sabido por qualquer jurista ou pensador informado, os direitos fundamentais e os princípios jurídicos inseridos nas constituições democráticas ocidentais servem para limitar o poder legislativo, o poder executivo e os poderes de facto, em defesa dos cidadãos ricos ou pobres e das empresas grandes ou pequenas. Daí que os direitos fundamentais funcionem como "trunfos" contra as maiorias conjunturais, a favor da ideia suprema de Justiça. Por isso, logicamente, tais direitos e princípios fundamentais nunca poderiam estar nas mãos dos poderes referidos.

Neste contexto, é importante sublinhar, numa era em que muitos esquecem que a economia é "apenas" uma ciência social, que o texto e o espírito da Constituição portuguesa são semelhantes aos textos e espíritos das Leis Fundamentais norte-americana, italiana, espanhola, alemã, sueca ou holandesa Pelo que é um erro básico dizer-se que, com outra constituição democrática, o nosso Tribunal Constitucional decidiria diferentemente sobre os Orçamentos do Estado para 2011 ou 2014. A nossa Constituição e o nosso Tribunal Constitucional são aquilo que é habitual no mundo ocidental e são aquilo que o PSD e o PS decidiram em nome de mais de 70% dos portugueses.

2. Outro erro surpreendente é pensar-se e até dizer-se em público com ar sabedor que o nosso Tribunal Constitucional decidiria diferentemente se a nossa Constituição impusesse um défice zero em 2011 ou2014. Trata-se de não perceber o que é uma Constituição ocidental (não comprometida com ideologias cegas), nem perceber que o mundo capitalista pacificado actual vive sob a égide do Direito e da Justiça, e não sob a égide da lei da selva ou dos poderes de facto. Com efeito, mesmo com um défice zero inscrito na nossa lei fundamental, o Tribunal Constitucional nunca poderia fingir que não existe a obrigação constitucional de todas as leis serem justas, proporcionais e equitativas, em ordem a atingir um seu objectivo.

O que os tribunais constitucionais de todos os países ocidentais, pobres ou ricos, fazem é fiscalizar se as opções inseridas nas decisões legislativas são opções que respeitam ou desrespeitam os direitos e os princípios jurídicos fundamentais inseridos, por exemplo, na Carta dos Direitos Fundamentais da UE e na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Portanto, os objectivos concretos são definidos pelas leis de acordo os programas gerais de cada constituição ocidental; os tribunais constitucionais não definem tais objectivos, logicamente; mas verificam se as opções legislativas violam ou não a lei fundamental, porque as opções legais tomadas pelos governos e parlamentos para atingir certos objectivos concretos necessitam de estar de acordo com os princípios jurídicos do Estado democrático e social de Direito vigente (em toda a zonaeuro), nomeadamente: (i) a justiça social, (ii) a igualdade, (iii) a proporcionalidade e (iv) a protecção da confiança das empresas e dos cidadãos.

E é essa fiscalização da justiça de tais opções concretas, supostamente racionais, que os tribunais constitucionais estão obrigados a fazer, em nome do superior bem comum definido por cada país na sualeifundamentaTNote-se que isto é o resultado de séculos de sofrimento, amoralidade, anomias, guerras, donde emergiram importantes lições éticas, sociais, económicas e jurídicas que não deveríamos esquecer.

3. Como se devia saber, o Direito é tão "exacto" como a Economia. Mas qualquer racionalidade e bom senso permitem responder bem às seguintes perguntas: é racional ou lógico querer emendar em três anos um erro económico-financeiro construído durante trinta ou quarenta anos, em que a economia internacional mudou imenso? Pretender isso aumenta o risco de arbítrio e de injustiças? As respostas racionais evidentes a estas perguntas não mudam mesmo que um poder de facto forte e credor finja o contrário ou imponha uma "resposta" diferente. E por isto que o Direito e a Justiça nos distinguem da selva. Por outro lado, é custoso ouvir o disparate de se igualizar na análise pseudo-económica a gestão da coisa pública à gestão das empresas privadas. Má fé ou pura ignorância de como funciona a economia pública ou a economia privada! O gestor privado não tem de obedecer aos exigentes artigo 266.° da Constituição e Código do Procedimento Administrativo (existentes em toda a UE), cujas regras são verdadeiros coletes-de-forças do Estado a favor dos destinatários da actividade do sector público.

4. Uma nota final de amor próprio português: tínhamos até há cerca de dois anos sistemas de saúde, de educação e de justiça melhores (ou seja, mais justos) do que Espanha, França, Grécia e Itália. O problema básico nacional era e é apenas de más opções tomadas pelos poderes dominantes, cercados por hesitações e vista curta.

Paulo Pereira Gouveia, Juiz Desembargador | Diário de Notícias | 25-11-2013

Comentários (2)


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Touché
Entrou e disse...
Tirou o chapéu...
... e foi-se!

Francisco do Torrão , 25 Novembro 2013
...
O acordo inclui a fixação de um salário mínimo nacional de 8,5 euros/hora, condição imposta pelo SPD como indispensável para um acordo, a vigorar a partir de 2015, possivelmente com um período de transição de dois anos para a sua aplicação.
A União Democrata Cristã (CDU), a União Social-Cristã da Baviera (CSU) e o Partido social-Democrata (SPD) assumem o compromisso de manter o esforço de consolidação orçamental, sem recorrer a subidas de impostos e fixando como objetivo não contrair mais dívidas, a nível federal, a partir de 2015.
Os partidos acordaram igualmente a flexibilização da reforma aos 67 anos para que os trabalhadores com 45 anos de descontos possam reformar-se aos 63 sem penalização.
Em matéria de políticas sociais, o compromisso prevê nomeadamente a aplicação, a partir de 2017, de uma “pensão mínima de solidariedade” de 850 euros e o aumento das pensões para mães de filhos nascidos antes de 1992.
Para os próximos quatro anos de governação, CDU, CSU e SPD preveem aumentar os investimentos em infraestruturas de transportes e em educação e ciência.
pli , 27 Novembro 2013

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