Paulo Pereira Gouveia - 1. Como é sabido por qualquer jurista ou pensador informado, os direitos fundamentais e os princípios jurídicos inseridos nas constituições democráticas ocidentais servem para limitar o poder legislativo, o poder executivo e os poderes de facto, em defesa dos cidadãos ricos ou pobres e das empresas grandes ou pequenas. Daí que os direitos fundamentais funcionem como "trunfos" contra as maiorias conjunturais, a favor da ideia suprema de Justiça. Por isso, logicamente, tais direitos e princípios fundamentais nunca poderiam estar nas mãos dos poderes referidos.
Neste contexto, é importante sublinhar, numa era em que muitos esquecem que a economia é "apenas" uma ciência social, que o texto e o espírito da Constituição portuguesa são semelhantes aos textos e espíritos das Leis Fundamentais norte-americana, italiana, espanhola, alemã, sueca ou holandesa Pelo que é um erro básico dizer-se que, com outra constituição democrática, o nosso Tribunal Constitucional decidiria diferentemente sobre os Orçamentos do Estado para 2011 ou 2014. A nossa Constituição e o nosso Tribunal Constitucional são aquilo que é habitual no mundo ocidental e são aquilo que o PSD e o PS decidiram em nome de mais de 70% dos portugueses.
2. Outro erro surpreendente é pensar-se e até dizer-se em público com ar sabedor que o nosso Tribunal Constitucional decidiria diferentemente se a nossa Constituição impusesse um défice zero em 2011 ou2014. Trata-se de não perceber o que é uma Constituição ocidental (não comprometida com ideologias cegas), nem perceber que o mundo capitalista pacificado actual vive sob a égide do Direito e da Justiça, e não sob a égide da lei da selva ou dos poderes de facto. Com efeito, mesmo com um défice zero inscrito na nossa lei fundamental, o Tribunal Constitucional nunca poderia fingir que não existe a obrigação constitucional de todas as leis serem justas, proporcionais e equitativas, em ordem a atingir um seu objectivo.
O que os tribunais constitucionais de todos os países ocidentais, pobres ou ricos, fazem é fiscalizar se as opções inseridas nas decisões legislativas são opções que respeitam ou desrespeitam os direitos e os princípios jurídicos fundamentais inseridos, por exemplo, na Carta dos Direitos Fundamentais da UE e na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Portanto, os objectivos concretos são definidos pelas leis de acordo os programas gerais de cada constituição ocidental; os tribunais constitucionais não definem tais objectivos, logicamente; mas verificam se as opções legislativas violam ou não a lei fundamental, porque as opções legais tomadas pelos governos e parlamentos para atingir certos objectivos concretos necessitam de estar de acordo com os princípios jurídicos do Estado democrático e social de Direito vigente (em toda a zonaeuro), nomeadamente: (i) a justiça social, (ii) a igualdade, (iii) a proporcionalidade e (iv) a protecção da confiança das empresas e dos cidadãos.
E é essa fiscalização da justiça de tais opções concretas, supostamente racionais, que os tribunais constitucionais estão obrigados a fazer, em nome do superior bem comum definido por cada país na sualeifundamentaTNote-se que isto é o resultado de séculos de sofrimento, amoralidade, anomias, guerras, donde emergiram importantes lições éticas, sociais, económicas e jurídicas que não deveríamos esquecer.
3. Como se devia saber, o Direito é tão "exacto" como a Economia. Mas qualquer racionalidade e bom senso permitem responder bem às seguintes perguntas: é racional ou lógico querer emendar em três anos um erro económico-financeiro construído durante trinta ou quarenta anos, em que a economia internacional mudou imenso? Pretender isso aumenta o risco de arbítrio e de injustiças? As respostas racionais evidentes a estas perguntas não mudam mesmo que um poder de facto forte e credor finja o contrário ou imponha uma "resposta" diferente. E por isto que o Direito e a Justiça nos distinguem da selva. Por outro lado, é custoso ouvir o disparate de se igualizar na análise pseudo-económica a gestão da coisa pública à gestão das empresas privadas. Má fé ou pura ignorância de como funciona a economia pública ou a economia privada! O gestor privado não tem de obedecer aos exigentes artigo 266.° da Constituição e Código do Procedimento Administrativo (existentes em toda a UE), cujas regras são verdadeiros coletes-de-forças do Estado a favor dos destinatários da actividade do sector público.
4. Uma nota final de amor próprio português: tínhamos até há cerca de dois anos sistemas de saúde, de educação e de justiça melhores (ou seja, mais justos) do que Espanha, França, Grécia e Itália. O problema básico nacional era e é apenas de más opções tomadas pelos poderes dominantes, cercados por hesitações e vista curta.
Paulo Pereira Gouveia, Juiz Desembargador | Diário de Notícias | 25-11-2013
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