Recentemente, um cidadão procurava adquirir um passe único de uma transportadora e foi informado de que só lhe vendiam agora um título de transporte mais caro, preparando assim uma privatização.
Também recentemente, um outro cidadão procurava fazer a troca de um fornecedor de serviços móveis privados e foi informado de que teria de permanecer nesse serviço (mais caro) ou pagar uma soma avultada pela saída. Por fim, e ainda recentemente, um outro cidadão soube que seria obrigado a mudar de regime no fornecedor de energia, mas sem a garantia de um preço fixo apesar de se encontrar num mercado livre (mais caro).
Estes três exemplos-reais e não ficcionados - mostram que a ideia de "privatização" nem sempre resulta como é esperado e que-sob esse pretexto - se cometem erros de escolha e de orientação nas políticas públicas.
E existe, aliás, um número cada vez mais consistente de estudos que - ao invés associama privatização a uma perda de qualidade do serviço prestado. Ora no que respeita à justiça - ou melhor, ao fornecimento deste serviço pelo Estado -, também se pode perguntar se seria possível a privatização de algumas das suas funções. Trata-se, obviamente, de uma área da governação sensível e que tem estado sob uma enorme pressão nas últimas décadas, em particular dado o aumento da complexidade das nossas sociedades e da concomitante litigância por temas que, um século atrás, dificilmente chegariam à barra de um tribunal.
Com este pretexto de que a justiça é lenta e pouco eficaz tem-se procurado desvalorizar profissionais, salários, modos de processamento e - até para cúmulo - as próprias pessoas.
Mas este não será em meu entender- o caminho mais eficaz para uma justiça de qualidade e respeitada, que equilibre os comportamentos antissociais e as falhas de carácter ou de personalidades perturbadas que - à luz da lei - devem ser sancionadas negativamente.
Neste sentido, creio que se deve introduzir níveis intermédios de processamento e de tratamento das questões de justiça (de que a segurança privada, os notários e os julgados de paz são exemplos) e privatizar algumas das funções de tratamento documental e formal, considerando o atual quadro de desmaterialização dos processos judiciais.
Infelizmente - e já desde o anterior Governo do PS, de José Sócrates - o grau de confiança dos profissionais da justiça nesses mecanismos é muito baixo; além disso - e no atual Governo de coligação PSD-CDS -, o cenário continua a ser o mesmo, o de uma duplicação de papéis e de processos, que apesar de informatizados continuam a ser impressos em papel.
Mais um caos que- no atual cenário de cortes e descontentamento - dificilmente mudará para melhor.
Paulo Pereira Almeida, Prof. Universitário | Diário de Notícias | 22-11-2013
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