Maria João Marques - Vítor Gaspar não tem margem para argumentos de autoridade dentro do Governo. Afinal as políticas orçamentais que assinou não foram um sucesso retumbante. As metas iniciais acordadas com a 'troika' para o défice orçamental não se cumpriram, as previsões de contracção foram demasiado optimistas, aumentaram-se impostos sem noção de que a economia iria ruir, o desemprego galopar e as receitas também elas não crescerem como esperado.
A política que preferiu assentar a austeridade em aumentos de impostos em vez de diminuição estrutural da despesa pública (a acompanhar a reforma do estado prometida em campanha eleitoral) foi da autoria de Gaspar. O argumento da necessidade de efeitos rápidos só possíveis através de impostos tem consistência. Mas a necessidade de rapidez, desconfia-se, não foi o único motivo de Gaspar. O ministro pretendia castigar um povo que foi todo ele mais gastador do que devia. Mas, ao castigar o povo, Gaspar esqueceu-se de castigar a entidade mais perdulária do país e cujo endividamento nos trouxe uma necessidade de resgate exterior: o Estado. Gaspar teve várias vezes ministros contra si; o PM, contudo, sempre o apoiou e lhe deu cobertura política, o que torna o PM responsável cimeiro pela política orçamental desastrosa do Governo.
Chegados ao segundo chumbo do Tribunal Constitucional e às avaliações da 'troika' que condicionam o envio de novas tranches de financiamento à capacidade de cortar efectivamente na despesa, Gaspar está isolado no Governo. Os restantes ministros têm razões justificadas para duvidar da sua competência e eficácia e o PM parece menos confiante no seu ministro.
Isto poderia ser uma boa notícia e uma oportunidade de inflexão da política. Mas não é. Um Governo que quer cortar 6 mil milhões de euros em quatro anos fá-lo no início do mandato, aproveitando o estado de graça. Desgastado por uma política com enormes custos económicos e sociais, duvida-se que consiga aplicar finalmente uma consolidação orçamental. A proeminência de Gaspar não serviu para nada e o Cerco a Gaspar provavelmente também não servirá.
Maria João Marques, Empresária | Diário Económico | 03-05-2013
Comentários (2)
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José Pedro Faria (Jurista) - (Quase) nada se aproveita.
Na verdade, na maior parte dos casos, o povo não gastou mais do que devia, limitou-se a gastar aquilo que lhe pareceu razoável de acordo com as específicas circunstâncias existentes na época em que os gastos foram feitos. Não se pode incentivar um povo inteiro a consumir e depois vir criticá-lo por ter feito aquilo para que foi empurrado. E quem incentivou? O sucessivos Governos, através designadamente da promoção da aquisição de habitação própria e entidades privadas, como a Banca, que utilizou todos os truques imagináveis para promover o endividamento dos cidadãos. Culpar agora o povo é de uma grande baixeza moral.
E culpar o Estado deve querer dizer culpar as políticas da maioria dos Governos que temos tido. Mas , por outro lado, não podemos esquecer algo importante: Portugal tem os empresários mais incompetentes da Europa, sempre prontos para arrasar o papel da coisa pública na vida da nação, mas vivendo à sua sombra, sempre pedinchando negociatas obscuras com o Estado.
E nem uma palavra sobre as verdadeiras razões da crise em Portugal e na Europa, que são bem mais profundas e sérias do que aquilo que é aqui referido em tom ligeiro e populista.
De um artigo inteiro, aproveita-se a seguinte frase: "Vítor Gaspar não tem margem para argumentos de autoridade dentro do Governo". Foi logo a primeira, e bem podia o artigo ter ficado por ali.