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REVISTA DE 2013

O Tribunal e o Governo

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João Marcelino - «O interesse do País é que o Governo, e a Assembleia da República (que aprovou o OE) também, revelem respeito pela Constituição em vigor - e a verdade é que pela segunda vez consecutiva não tiveram essa preocupação e esse cuidado».

1. Ainda bem que as leis em Portugal não estão à mercê da necessidade, real ou pretendida, dos governantes; que os direitos dos cidadãos não podem ser atropelados pelo Orçamento do Estado; que há um Tribunal que zela pela Constituição da República. Ainda bem.

O que se passou nos últimos dias foi lamentável, pela dramatização ensaiada e o condicionamento pretendido, mas acabou como devia: com os juízes do Tribunal Constitucional a decidirem de acordo com o espírito e a letra da Lei - e não em conspiração com aquilo que um governo, circunstancialmente, entenda ser "o interesse do País".

O interesse do País é que o Governo, e a Assembleia da República (que aprovou o OE) também, revelem respeito pela Constituição em vigor - e a verdade é que pela segunda vez consecutiva não tiveram essa preocupação e esse cuidado. Antes pelo contrário: enfrentaram com descaramento o julgamento do ano passado do TC e repetiram erros, como a tentativa de cortes dos subsídios aos funcionários públicos e pensionistas.

2. Agora pede-se ao Governo, e à maioria que o apoia, que ajam com responsabilidade e sentido de Estado.

Portugal não está em condições, por muito que a oposição (com o PS à cabeça) pretenda ir já a votos, de abdicar desta maioria parlamentar. De trocar o certo pelo incerto. De ir para eleições sem a certeza de um resultado que torne fácil a constituição de um novo governo. Olhe-se para o que está a acontecer em Itália. Seria uma irresponsabilidade que se juntasse a esta crise profunda - social, financeira e económica - a dimensão de uma crise política. Nessa apreciação, o Presidente da República não tem vacilado - e isso é um elemento importante para o que resta da legislatura, que não vai ser fácil, nem para o País nem para nenhum dos atores políticos mais relevantes.

A obrigação de Passos Coelho é, por isso, seguir em frente. Tem de retificar o Orçamento e negociar com a troika. O "chumbo" do TC, que representa mais ou menos 1% do PIB, tem de ser apenas mais umas décimas para acrescentar ao défice previsto (5,5%). Não há como evitá-lo porque a sociedade portuguesa não aguenta mais austeridade e o primeiro-ministro de Portugal tem a obrigação de o explicar aos credores e às instâncias europeias, por onde tem andado disciplinado e submisso.

3. Internamente, Passos Coelho vai ter de reequacionar as políticas, mexer profundamente no Governo para que os cidadãos acreditem no caminho a seguir. Essas mudanças devem ser inevitavelmente de nomes, mas provavelmente precisam igualmente de alterar a orgânica nascida na excitação da chegada ao poder e que levou a esta demagogia de um Governo curto, que não faz sentido, não poupa nada que se veja e esmaga a capacidade dos titulares de pelo menos duas pastas ministeriais.

Ou seja, Passos Coelho está perante um desafio que não lhe permite a desistência. O contrário seria cobardia pessoal e desprezo pela necessidade do País.

Este é o momento em que um primeiro-ministro se deve afirmar pela determinação e pela humildade de perceber a angústia dos cidadãos.

Há uma mudança a fazer nas prioridades das políticas do Governo, sobretudo no âmbito da economia, mas sem nunca delapidar os objetivos assumidos quanto ao défice e à dívida - e é essa reflexão que deve conduzir aos nomes que tanta gente gosta de discutir, mas que neste caso não são tão importantes assim.

A queda de Miguel Relvas, e a forma como aconteceu, podia e devia inspirar o primeiro-ministro à convicção de que, num governo, acima de tudo, deve privilegiar-se a capacidade e a competência. A amizade, a cumplicidade ou a lealdade são complementos. Se possível, juntam-se. Mas não podem ser forçados porque o resultado é inevitavelmente lamentável.

João Marcelino | Diário de Notícias | 06-04-2013

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