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REVISTA DE 2013

Equívocos

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João Caupers: «(...) é absolutamente lamentável que os primeiros que ouvi criticar o acórdão do Tribunal Constitucional, com total ignorância jurídica, tenham sido economistas instalados à sombra de sinecuras, que passaram anos a inventar estratagemas para fazer dinheiro, ao serviço de bancos, especuladores e outros parasitas financeiros, e agora se insurgem grotescamente contra as instituições nacionais que se empenham na utilização das regras e mecanismos jurídicos para tentarem dificultar o processo de empobrecimento dos portugueses e de ruína do país».

EQUÍVOCOS

Convém esclarecer os que não sabem – e, sobretudo, os que querem esquecer – que um tribunal constitucional assenta na ideia de superioridade da constituição. Não é indispensável num Estado de direito, havendo entre estes quem não disponha de um, sem que tal debilite a solidez constitucional.

Mas, onde existem, os tribunais constitucionais são os guardiães da constituição: servem essencialmente para garantir que as normas legais e outros actos infraconstitucionais não ofendem as regras e princípios constitucionais com que se devem conformar. É por isso mesmo que a constituição recebe o tratamento frequente de "lei fundamental".

Não conheço o texto completo do acórdão do Tribunal Constitucional que se pronunciou sobre o orçamento de Estado para 2013. Apenas conheço a parte decisória e alguns aspectos da fundamentação. É natural e previsível que alguns dos seus pontos sejam controversos. Dá-me a sensação, nomeadamente, que atribui maior importância ao princípio da igualdade do que ao princípio da protecção da confiança mas, a confirmar-se, poderá haver motivos para tal.

Seja como for, o que o Tribunal Constitucional faz foi aferir a conformidade constitucional das normas orçamentais que haviam sido postas em causa pelos órgãos que haviam solicitado tal verificação. Nem mais, nem menos. Cumpriu, pois, o seu dever.

É fantástico que se venha agora dizer que o Tribunal não terá tido na devida conta, no seu juízo, a situação do país, nomeadamente o facto de nos encontrarmos arruinados e endividados, submetidos à gestão intrusiva dos credores, graças à imprudência, à incapacidade e à falta de vergonha de quem nos governou nos últimos anos. Desejariam que o Tribunal Constitucional tivesse inventado e aplicado uma teoria jurídica qualquer, que colocasse acima da nossa Constituição o famigerado Memorando de Entendimento.

Parecem não entender que quem deveria ter tido em conta os limites constitucionais foi quem negociou, ou colaborou na negociação, daquele texto. Pior ainda: não vêem que a construção que ambicionavam, subalternizando a Constituição e os direitos fundamentais que ela reconhece e garante, destruiria, a curto ou médio prazo, o nosso já tão debilitado Estado de direito.

A continuarmos o percurso imposto, firmemente apontado à consolidação do desastre, estaremos, dentro de anos, a adoptar medidas de austeridade destinadas a assegurar o défice previsto para 2018, no quadro de 4.º resgate, cumprindo as determinações da 53.ª avaliação da Troika. Nessa altura, a proposta de orçamento incluirá, talvez, o fim da escola pública, dos hospitais e dos tribunais e a reintrodução do trabalho escravo, tudo medidas que o Primeiro-Ministro da altura considerará essencial para atingir tal défice. Sobreviveremos então, talvez, dentro das nossas possibilidades. E cumpriremos, talvez, o Memorando de Entendimento.

Epílogo: é absolutamente lamentável que os primeiros que ouvi criticar o acórdão do Tribunal Constitucional, com total ignorância jurídica, tenham sido economistas instalados à sombra de sinecuras, que passaram anos a inventar estratagemas para fazer dinheiro, ao serviço de bancos, especuladores e outros parasitas financeiros, e agora se insurgem grotescamente contra as instituições nacionais que se empenham na utilização das regras e mecanismos jurídicos para tentarem dificultar o processo de empobrecimento dos portugueses e de ruína do país.

Declaro que o texto e citações nele contidas são de minha autoria e exclusiva responsabilidade.

João Caupers | link | 08-04-2013

Comentários (2)


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Boa Noite

O problema que enfureceu o Governo não foi a decisão, pois essa já eles sabiam ou suspeitavam que era inconstitucional. O que os enfureceu e traíu as expectativas e convencimento foi a aplicação imediata, quando estavam soberanamente convencidos que a decisão seria adiada para o ano, tal como aconteceu no anterior OGE. Aliás, a demora do PR em solicitar a apreciação da constitucionalidade tem a ver com isso, pois esperou que o OGE estivesse já em curso, para "obrigar" o TC a decidir do mesmo modo que o ano passado fez.
Já agora, recordando o que foi dito por Bacelar Gouveia na TV, não ouvi esta reacção quando as instâncias europeias negaram a inscrição da venda da ANA - Aeroportos nas contas. Medo, cobardia, ou outra coisa qualquer, mas ficaram mudos e quedos.
Respeitosamente
Orlando Teixeira , 09 Abril 2013 | url
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Pois bem, o problema d eterem julgado a inconstitucionalidade o ano passado mas mandando a sua própria decisão para o lixo é que foi o problema. Aliás, bem vistas as coisas, tudo começou com o acórdão que nos roubou 10% da retribuição no tempo do ladrão das beiras. O TC, como órgão político que é, desgraçou-se e já não vai a tempo de se reabilitar. Há muito tempo, de resto.
Sun Tzu , 09 Abril 2013

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