Fernanda Palma - Os comentários (por vezes anónimos) feitos a fotografias colocadas no Facebook serão criminosos em determinadas circunstâncias?
A questão coloca-se a propósito da utilização de imagens alheias por usuários daquela rede social, que têm acesso, direto ou indireto, aos perfis de pessoas que os aceitaram como seus "amigos" ou como "amigos de outros amigos".
Pode perguntar-se, desde logo, se a colocação de uma imagem íntima numa página pessoal corresponde a uma autorização implícita para sua utilização para qualquer fim. Por outro lado, também se deve questionar se todos os comentários depreciativos, incluindo os insultuosos, constituem ainda manifestações da liberdade de expressão e divulgação do pensamento.
Há um espaço intangível de dignidade da pessoa. A partilha de uma imagem não autoriza a sua utilização degradante. O direito à imagem é consagrado como direito fundamental pelo artigo 26º da Constituição e um retrato não pode ser reproduzido com prejuízo para a honra, reputação ou decoro da pessoa retratada, nos termos do artigo 79º do Código Civil. Os comentários depreciativos da imagem de uma pessoa também não poderão ultrapassar esta fronteira, sob pena de o seu autor incorrer em responsabilidade civil e no dever de indemnizar o lesado. Por outro lado, comentários ofensivos da honra ou consideração podem consubstanciar crimes de injúria ou difamação previstos nos artigos 180º e 181º do Código Penal.
No plano penal, devemos considerar injúrias ou difamações (a diferença resulta de a ofensa à honra ser dirigida ao visado ou a terceiros, respetivamente) as afirmações que afetem a imagem pessoal, familiar, ou profissional da vítima, em termos objetivos e segundo o entendimento comum. O procedimento quanto a tais crimes depende de acusação do ofendido. Quando se trata de imagens de crianças (especialmente vulneráveis a estas práticas na internet), a gravidade da ofensa terá de considerar o efeito de estigmatização da vítima e o prejuízo para o livre desenvolvimento da personalidade. Em sede de investigação criminal, deve ter-se presente que estas condutas podem indiciar a prática de crimes sexuais.
Existe atualmente uma tendência para restringir a aplicação de sanções penais na injúria e na difamação, que encontra expressão na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Porém, não deveremos confundir a liberdade de expressão, essencial à Democracia, com a redução dos cidadãos à condição de escravos de um poder despótico alheio.
Fernanda Palma, professora catedrática de direito penal | Correio da Manhã | 29-09-2013
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