João Mattamouros Resende - Supremo Tribunal de Justiça decidiu recentemente fazer cessar um contrato de swap celebrado entre uma instituição financeira e um cliente com fundamento na "alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar" causada pela recente crise económico-financeira mundial, i.e., entendeu que a crise que eclodiu em 2008 se traduziu numa alteração tão profunda dos pressupostos que levaram as partes a celebrar o contrato de swap que o mesmo não podia subsistir, em virtude do manifesto actual desequilíbrio das prestações de cada uma das partes.
Esta decisão é um marco histórico no sistema jurídico português. Por várias razões.
Em primeiro lugar, os tribunais portugueses, com contadas excepções, têm sido tradicionalmente avessos à utilização do instituto da alteração das circunstâncias como mecanismo para fazer cessar, ou mesmo modificar, contratos celebrados entre as partes. Importa recordar, a título de exemplo, que, instados a fazê-lo na sequência da revolução de 1974, os tribunais portugueses recusaram sistematicamente pôr em causa contratos em vigor celebrados antes dessa data.
Depois, o contrato objecto de análise no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça não é um contrato qualquer. É um contrato de swap. Os contratos de swap são, na sua essência, instrumentos financeiros através dos quais as partes transferem risco económico a troco de um preço. No caso particular dos contratos de swap de taxas de juro, o cliente pretende cobrir o risco de flutuação das taxas de juro e o banco, por seu turno, prossegue uma finalidade essencialmente especulativa. No contrato objecto da decisão, para mais, previam-se limites máximos e mínimos, acima e abaixo dos quais ambas as partes podiam fazer cessar o contrato. Ou seja, a cobertura de risco era limitada a uma variação das taxas de juros que estivesse dentro dos limites referidos.
Para além disso, as partes teriam de pagar os juros reais. Em suma: as partes contemplaram, por mais remota que essa possibilidade pudesse parecer, o cenário de as taxas de juro poderem variar de forma significativa.
Por último, a empresa cliente declarava no próprio contrato que havia realizado a sua própria avaliação da operação e se havia munido de assessoria jurídica, financeira e fiscal externa ao banco, reconhecendo expressamente que "as características da operação se ajustam aos seus objectivos de financiamento e que os riscos associados à mesma adaptam-se ao seu perfil". Era difícil o contrato ser mais claro.
A sentença protege a parte mais fraca, hoje a braços com um contrato cujo resultado ruinoso claramente não havia antecipado. Mas coloca graves problemas sistémicos que importa não desconsiderar. Não incentiva as partes a recorrerem a assessoria jurídica qualificada, essencial para a protecção dos seus próprios interesses e para a melhoria do sistema jurídico como um todo, que tenderão a confiar na atitude paternalista do sistema judiciário, e faz impender sobre as instituições financeiras a ameaça constante de que os seus contratos podem ser postos em causa.
Como o próprio Supremo Tribunal de Justiça referiu noutro acórdão, de Janeiro deste ano, "mesmo quando se alteram as circunstâncias em que o negócio é feito (...) e um dos contraentes vê afectado o seu interesse, há que atender não só ao interesse desse contraente mas também ao do outro e ao interesse na estabilidade das convenções". Qual o verdadeiro custo dos swaps?
João Mattamouros Resende | Público | 12-11-2013
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solução simples
…
g) Demitir o Governo, nos termos do n.º 2 do artigo 195.º, e exonerar o Primeiro-Ministro, nos termos do n.º 4 do artigo 186.º ou, salvo caso de força maior, quando a política governamental for oposta ao programa eleitoral apresentado ao povo português;
h) …