Ana Sá Lopes - A maior perversão da União Europeia é a existência de uma moeda única - fortíssima - e de uma união política nula. A Constituição portuguesa ainda vale alguma coisa, para raiva do governo, mas vale muito menos que a Constituição alemã.
A Rua do Século, onde fica a sede do Tribunal Constitucional português, é uma rua cada vez mais ¦estreita perante a omnipotência de Karlsrue, a cidade onde se reúne o eminente e muito respeitado pelos seus governantes (e pelos nossos) Tribunal Constitucional alemão.
Mais grave: as eleições de 22 de Setembro na Alemanha - nas quais, obviamente, não podemos votar - podem ser mais importantes para o futuro de Portugal que as próximas eleições legislativas. O máximo a que podemos aspirar é uma campanha para o Parlamento Europeu com alternativas - mas apesar do aumento dos poderes da assembleia de Estrasburgo, Estrasburgo ainda não governa a Europa.
Quem governa é Berlim eo eixo Paris-Berlim morreu com a derrota de Sarkozy. Hollande, condenado à sua inexistência política e à crise económica, não chega sequer para fazer parte de um eixo europeu - tentou agora a via transatlântica com a adesão total à aventura do ataque à Síria.
Uma unificação europeia - o sonho federalista - ainda poderia salvar a Europa. Ter um governo comum, para o qual todos os cidadãos votassem, e solidariedade federativa poderia funcionar para refazer a Europa. Mas esse sonho dos velhos fundadores está posto de lado - infelizmente, não existem europeus que cheguem para criar uma federação.
A amálgama presente, que já nem sequer corresponde à letra dos tratados, funciona como uma espécie de "absolutismo esclarecido" perante a passividade da maioria da população europeia mais prejudicada por esta espécie de contrato social feito entre os seus governos e a Alemanha.
É evidente que os povos podem derrubar os governos que aceitam o estado de coisas - e substituí-los por outros que o rejeitem. Mas isso implicaria uma revolução (sair do euro por exemplo) que é quase universalmente temida, do Bloco de Esquerda à extrema-direita.
A somar às anomalias democrática e monetária europeia, a existência de paraísos fiscais como a |Holandá|-onde respeitáveis empresas como a EDP arranjam uma caixa de correio para fugir a pagar os seus impostos em Portugal - transformam a União numa família desestruturada. Um dia a casa cai.
Uma ONG, a Somo, chama a atenção para a preocupação com o impacto negativo de regimes fiscais como o da Holanda nas receitas domésticas de outros países, especialmente no contexto da crise financeira.
Ana Sá Lopes | ionline | 10-09-2013
Comentários (2)
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A Holanda é, a par do Luxemburgo e da Bélgica, o País onde vale tudo para recolher dinheiro.
Comunidade Europeia? Sim, para servir os interesses do País, porque aquilo que não interessa, não se aplica.
A SIC-Notícias apresentou um programa onde era explicado o funcionamento das "empresas caixa de correio" no Luxemburgo, às quais estava associado uma das maiores empresas de Revisão de Contas e Auditoria, como proponente do sistema.
Quem viu e/ou conhece o sistema, não pode deixar de ficar atónito como pode acontecer. Por outro lado, na CE existem as figuras da Introdução em Livre Prática (regime 42) que mediante o pagamento das taxas aduaneiras devidas, permite a atribuição pelo primeiro Estado de entrada na Comunidade, do Estatuto Comunitário de mercadorias, ficando suspenso o pagamento do IVA por 90 dias, a pagar no Estado de destino final. O problema é que passam a ser mercadorias com estatuto C, dispensadas de formalidades aduaneiras, pelo que as empresas pagam o IVA se quiserem, e se a Fiscalização AT-Impostos não existir.
De acordo com os consecutivos relatórios da OLAF, é a maior fraude na CE, mas ninguém ataca o problema, porque isso seria mexer no interesse dos Países de entrada, como são o caso da Bélgica, Holanda e Alemanha, com voos e barcos com rotas directas da Ásia e Américas.
Tudo se resume à harmonização dos impostos, que permite a dança das empresas, em busca de pagar menos impostos, numa lógica de "xico-esperto", mas também de possibilidade de ter possibilidade de ter os melhores fiscalistas, que permitam tornear a lei.
É o permanente interesse pessoal, que se sobrepõe aos deveres de cidadania, que prevalece.
Sempre se dirá que as empresas visam o interesse pessoal, e que para serem maiores e sobreviverem às leis de mercado, não se estranha que lancem mão a tudo o que é legal, mesmo que eticamente não seja adequado. A ética não permite a grandeza de uma empresa, e a ética não existe na economia e finanças, como sabemos. O que custa é ver uma Comunidade criada para ser um espaço fechado na defesa económica das suas fronteiras, ter tantas brechas e vogar no interesse de cada País, em vez de ter uma política comum, como a ideia de Mercado Comum lhe subjaz.
Será que vale tudo em economia e finanças, ou ainda há esperança?
Respeitosamente
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Em complemento ao comentário anterior, é bom lembrar a razão porque os Países citados querem que a situação não mude e mantenham a possibilidade de introduzirem em livre prática as mercadorias procedentes da Ásia e Américas.
Os direitos aduaneiros são recursos próprios comunitários, e é em função de quem mais contribui para o bolo que a CE mais contribui para esses Países.
Assim, desviam aquilo que seriam contribuições dos outros países para o bolo comunitário, impedem-nos de ter maior contribuição da CE, a qual vai para os seus cofres.
Se fosse Portugal a ter as linhas directas e beneficiasse da possibilidade de introdução em livre prática, há muito que Holanda (sobretudo este), Alemanha, Bélgica e França tinham acabado com isso. Nós, continuamos humildemente a dizer que têm esse direito, a ver o dinheiro a voar, e a ter trabalho redobrado, pois até mercadorias sujeitas a restrições ou proibições entram em livre prática.
Ficamos com as migalhas e ainda estamos muito contentes com isso.