André Abrantes Sobral - No final deste mês os advogados escolhem o substituto do controverso Marinho e Pinto. O que poucos sabem, ou se apercebem, é que o estilo do actual bastonário, mais do que seu, espelha o estado de espírito da justiça portuguesa e é uma consequência da perda de influência da ordem dos advogados entre os decisores políticos.
Conhecemos bem a crispação existente entre os profissionais da justiça. Juizes, magistrados, advogados, solicitadores, oficiais de justiça, conservadores e notários, todos querem fazer valer o seu ponto de vista. Isto sucede porque a sua formação é feita de forma totalmente compartimentada: quem quiser ser juiz ou magistrado, vai para o CEJ (Centro de Estudos Judiciários); os advogados fazem o seu estágio na respectiva ordem; um notário estuda um curso específico. Os oficiais de justiça não respondem perante os juizes em cujos tribunais trabalham. Esta separação das águas é feita logo de início, quando o futuro profissional tem cerca de 23/25 anos. Desde ai que lhe é incutida a separação de classes dentro do meio. A incompreensão é tal que, nem os discursos da praxe apelando a consensos os trazem a um entendimento. Ao se dificultar o acesso às profissões, estas hostilizaram-se.
Nem sempre foi assim. No passado, um juiz podia ter sido advogado e um advogado ter sido juiz. O mesmo se diga dos demais magistrados e notários. As experiências eram cumulativas e, acumulando-se, enriqueciam não só os próprios, mas todo o sistema. A maioria já tinha estado do outro lado. Este pormenor permitia que o sistema não fosse minado pela incompreensão e o azedume. Que os processos não se empilhassem atulhando os tribunais, onde apenas a confiança, que nasce do civismo, permite que se decida de forma célere e justa.
No meio da incompreensão cada um tem urgência para se fazer ouvir. Por isso, Marinho e Pinto fala alto. Provoca. Fá-lo, não só devido à fragmentação acima referida, mas também à descredibilização da ordem profissional que representa. Como a inscrição é obrigatória numa só ordem, esta acaba por representar advogados completamente diferentes entre si. Sejam verdadeiros profissionais liberais, empregados de escritórios ou de empresas, todos se regem pelas mesmas regras. A ordem, ao contrário de outrora, representa advogados com diferentes interesses, porque vivem realidades diversas. Abarcando todos, inclui cada vez menos. E também isso faz um bastonário elevar o tom de voz: para compensar a influência, que deriva da unidade que se perdeu.
André Abrantes Sobral | Diário Económico | 08-11-2013
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É preciso que o futuro bastonário mude de rumo e enterre definitivamente o anterior figurante, personagem de mau gosto.