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REVISTA DE 2013

Administração local e acréscimo da corrupção

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Entrevista a Paulo Morais, Vice-presidente da Associação Cívica Transparência e Integridade: "Uma inspeção com tutela do Governo é sempre ineficaz"

- Em 2000, Portugal ocupava a 23.ª posição do ranking dos indicadores de transparência e em 2013 o 33.° lugar. Qual a quota parte da administração local nesta queda?
- A administração local tem uma componente importantíssima no acréscimo de corrupção em Portugal. No caso das câmaras, pesa as responsabilidades que têm todo um conjunto de instrumentos que permitem grandes ganhos económicos. Recordo que a dívida pública tem origem no fenómeno de corrupção na Administração Central, mas a divida privada alicerça-se fundamentalmente em especulação imobiliária.

- Como é que explica essa relação?
- Quando a crise começa, em janeiro de 2009, 68% da dívida privada portuguesa era dívida imobiliária, a maioria da qual com origem em fenómenos especulativos imobiliários e em fenómenos de corrupção nos pelouros de urbanismo.

- E essas especulação e corrupção imobiliárias, como é que se verificaram?
- Fundamentalmente através da valorização de terrenos adquiridos por promotores imobiliários com influência política - ou porque financiam os partidos ou porque dominam o presidente da câmara ou o vereador do urbanismo - em reserva agrícola ou ecológica, em zonas não edificáveis e onde nada se pode construir e, como que por milagres, os transformam, através de uma licença de construção ou de um alvará de loteamento, em terrenos com grande capacidade construtiva.

- E é a partir daí que se geram todos os fenómenos especulativos?
- Sim, ou pela construção de habitação coletiva, que já está demonstrado que nos últimos anos ficou entre 35% e 40% acima do seu real valor; ou através de valorização artificial dos terrenos tendo em vista expropriações para utilização enquanto infraestrutura de equipamentos públicos; ou ainda em muitos casos, onde nem sequer se construiu nada mas houve financiamento de projetos mobiliários em que as garantias valem 40 vezes menos.

- Os 68% da dívida privada afetos à aquisição de casa estão em linha com a realidade vivida noutros países?
- Não, não. A única situação análoga vivia-se em Espanha, com uma particularidade: em situações de especulação imobiliária identificada conexa com fenómenos de corrupção, as pessoas foram presas. Só no processo Malaya, um processo de crimes urbanísticos que começa em Málaga e acaba em Ayamonte, neste momento estão presos cerca de 120 autarcas.

- As câmaras são fiscalizadas pela Inspeção-Geral das Finanças e pelo Tribunal de Contas. É suficiente?
- A Inspeção-Geral das Finanças, que há bem pouco passou a integrar a IGAL [Inspeção-Geral da Administração Local], jamais poderia funcionar. Uma inspeção com tutela do Governo é uma inspeção que nas autarquias é sempre ineficaz. As inspeções até têm sido bem conduzidas, acontece é que as consequências são nulas, porque havendo necessidade de uma intervenção forte ou até da perda de mandato de um autarca, nomeadamente de um presidente de câmara, dificilmente será tomada essa decisão. Não nos podemos esquecer que os presidentes de câmara, nas estruturas partidárias, nomeadamente do PS e do PSD, são os chefes dos sindicatos de voto e são eles que decidem quem é o primeiro-ministro. Portanto, uma inspeção governamentalizada é inútil.

- Deveria existir em outros moldes?
- Deveria haver uma inspeção mais independente e no âmbito da justiça e deveriam ser tratados por tribunais especializados na área da corrupção.

- Que medidas defende para combater a corrupção na administração local?
- Além dos tribunais especializados, tem de haver duas linhas de atuação. Uma tem que ver com a simplificação de todos os procedimentos administrativos ao nível autárquico, nomeadamente nas questões de urbanismo. O segundo aspeto, que penso que é um dos maiores desafios deste poder local que se quer que seja minimamente moderno, é a questão da transparência. A transparência orçamental nas autarquias é vital para que cada cidadão saiba de onde vem e para onde vai cada euro do orçamento municipal.

- Assume-se como o maior denunciador de crimes de urbanismo, fruto da sua experiência como vereador do pelouro do urbanismo na Câmara do Porto...
- ... sim, e dossiês que me vão chegando...

- Com que resultados?
- Não têm sido praticamente nenhum.

- Porquê? A nossa justiça não está preparada para casos desta natureza?
- Temos uma justiça que, em alguns casos, termina os processos justamente no momento em que os devia começar. Por exemplo: quando se identifica um edifício que não cumpre as regras de planeamento, é muito fácil identificar o responsável por essa situação, basta conhecer os instrumentos de planeamento, a licença que deu origem àquela operação urbanística, o organigrama da câmara e o regime de colocação de competências. Normalmente, o Ministério Público, quando chega a este momento, conclui o processo. Além disso, acho que na área dos crimes de urbanismo deveria recuperar-se para a comunidade aquele bem que nos foi roubado pela via de um sistema qualquer de corrupção. Em muitos casos, prédios que não cumprem as condições de planeamento devem ser pura e simplesmente demolidos.

- Nas próximas eleições, muitos autarcas vão abandonar os cargos. Estamos perante uma boa oportunidade de mudança de atitude perante a coisa pública?
- Esse é o grande desafio deste processo eleitoral. Se os autarcas se preocuparem menos com os tachos para os boys e com os negócios para os financiadores e mais com a gestão do espaço público e do condomínio municipal, com uma gestão moderna que garanta uma sustentável gestão do património que é de todos, julgo que aí será um grande salto. Se corresponder apenas a substituição de lugares e dança de cadeiras, é uma oportunidade perdida.

Mariana Marques | Diário de Notícias | 16-09-2013

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