Tribunais executaram penhora de quase 100 mil reformas no ano passado. Os reformados são cada vez mais chamados a pagar dívidas por serem fiadores de familiares. Em 2012 foram penhorados 20,4 milhões de euros de reformas.
O aumento de casos de sobreendividamento e dívidas para cobrança executiva que acabam por entrar nos tribunais levou, no ano passado, à penhora de perto de 100 mil reformas no sector privado. Os credores conseguiram recuperar mais de 20 milhões de euros, numa média mensal de cerca de oito mil reformas penhoradas.
A crise e os cortes nas reformas prometem acentuar a escalada de dívidas que acabam nos tribunais e multiplicar os processos de penhoras que recaem sobre os reformados para os credores conseguirem recuperar o valor das dívidas relativas a serviços essenciais como água, luz e gás, telecomunicações, arrendamentos e contratos de crédito ao consumo.
Dados cedidos ao Diário Económico pela Câmara dos Solicitadores mostram que, entre 2007 e 2012, o valor de dívidas de acções executivas recuperado pela penhora de reformas no Centro Nacional de Pensões cresceu mais de 480%. Estas penhoras referem-se apenas aos pensionistas da Segurança Social. De acordo com o ministro Mota Soares, 90% destes pensionistas tem pensões abaixo de 600 euros.
Em 2007, a média mensal de penhoras era de 1.840, num total recuperado 4,2 milhões de euros. Desde então, as penhoras não têm parado de aumentar, tendo-se registado, no ano passado, uma média mensal de oito mil reformas penhoradas. Ou seja, em 2012 foram penhoradas 96 mil reformas, num valor total de 20,4 milhões de euros recuperados por credores como empresas de serviços essenciais como gás, água e electricidade, e ainda telecomunicações (como TV por cabo) ou processos executivos referentes a outro tipo de dívidas como fornecedores, fianças e arrendamentos, letras, livranças e cheques à banca, seguros e crédito ao consumo.
O fenómeno da penhora de reformas dá conta que, nos últimos cinco anos, mais de 353 mil reformas reverteram a favor de credores para liquidar dívidas em cobrança judicial (não incluem processos de apoio judiciário), num valor global de 63 milhões de euros. E o fenómeno promete acentuar-se nos próximos meses devido ao agravamento dos casos de sobreendividamento, aliados às medidas de austeridade como os cortes nas pensões (ver caixa em baixo) e o aumento da carga fiscal que reduzem o rendimento disponível dos reformados, mas também dos seus familiares. É que, em muitos casos, os pensionistas estão já a assumir dívidas dos filhos e outros familiares.
O desemprego e a diminuição de rendimentos constituem as principais causas que levam ao endividamento em todas as classes etárias. Mas é na faixa acima dos 60 anos que o incumprimento por ser fiador surge em terceiro lugar na lista de pedidos de apoio junto da Deco para fazer face às dívidas.
Fenómeno tende a piorar
"Se as reformas estão a diminuir e a crise é maior, é expectável que vá aumentar o número de penhoras, nomeadamente de reformas, porque vai ser cada vez menor a capacidade de pagar essas dívidas", afirma o presidente da Câmara dos Solicitadores, José Carlos Resende. Mas alerta que a crise económica generalizada deverá, contudo, conduzir a uma quebra gradual do valor penhorado devido à inexistência de rendimentos penhoráveis, ou seja, acima a um salário mínimo.
Em causa estão, explica este responsável, processos relativos a dívidas contraídas, sobretudo a partir de 2011, e que o acentuar da crise levou ao seu incumprimento, nomeadamente contratos de crédito ao consumo, recaindo o pagamento sobre os fiadores, e prestação de serviços essenciais ou telecomunicações. "Assiste-se em menor dimensão a penhoras de reformas referentes a créditos hipotecários, pois, nestes casos, primeiro vende-se a casa e só no limite se vai às reformas", explica.
O fiscalista Tiago Caiado Guerreiro antecipa também "um efeito bola de neve do desequilíbrio social, pois nos últimos anos são os pais que, em muitos casos, sustentam os filhos e netos que estão desempregados". Explica aqui que com a quebra de rendimentos via impostos e o aumento do desemprego, "os reformados vão continuar a ser massivamente alvo da acção executiva, pois são fiadores de créditos e não tinham a consciência das implicações desta responsabilidade". Tiago Guerreiro alerta que estão a ser executadas penhoras sem respeitarem os mínimos legais, "o que está a agravar mais a situação".
Credores ficam com 35.117 carros
Além das reformas, os automóveis são outros dos alvos dos credores para conseguir liquidar as dívidas de devedores crónicos. Entre Janeiro de 2012 e Fevereiro deste ano, foram penhorados 35.117 veículos no âmbito da cobrança judicial de dívidas que deram entrada nos tribunais. E se somarmos as 21.499 penhoras realizadas pelo Fisco no ano passado devido a dívidas fiscais, são já perto de 60 mil os carros que foram penhorados no país. Segundo a Câmara dos Solicitadores, se compararmos os 6.372 veículos penhorados nos dois primeiros meses de 2012 com igual período deste ano, em que se registaram 4.321 penhoras, regista-se um decréscimo. Justificação: as empresas e os indivíduos passaram a estar sujeitos ao pagamento do imposto único de circulação sobre todos os automóveis cuja matrícula estivesse em seu nome, independentemente destes estarem a circular ou não. "Por este motivo, houve um aumento do abate de viaturas que anteriormente poderiam ser penhoradas por estarem registados em nome do devedor".
Aquela entidade adianta que "actualmente, tanto os agentes de execução como os exequentes privilegiam a penhora de viaturas localizadas e que tenham seguro em vigor". L.S.
ENTREVISTA - JOSÉ RESENDE, Câmara dos Solicitadores
"O número de dívidas tenderá a aumentar"
Os tribunais estão afogados em dívidas. Urgem soluções para evitar processos inviáveis.
José Carlos Resende atribui à banalização do crédito um dos motivos, aliado à crise, que está na base do cada vez maior número de dívidas para cobrança judicial que, entre Janeiro de 2012 e Fevereiro deste ano, somam os 7,3 mil milhões de euros (ver infografia).
- A que deve o aumento das acções executivas?
- No passado recente assistimos a uma banalização do crédito, com particular ênfase no que respeita ao consumo e ao hipotecário. Na nossa sociedade, tolerou-se excessivamente o incumprimento e a máquina judicial demorou a adaptar-se ao excesso de processos judiciais para cobrança de dívidas, o que tem justificado uma distância temporal imensa entre o momento da contracção da dívida e o momento da penhora. Destaca-se ainda que muitos processos declarativos e até penais foram convertidos em processos executivos. Além disso, temos de estar conscientes da crise generalizada que atravessamos" e que tem conduzido ao aumento desenfreado do desemprego e a outros dilemas sociais que não podem ser desligados do cenário económico.
- E estão a agravar-se os processos acima de um milhão...
- É raro um agente de execução ter sucesso num processo que envolva valores tão elevados. A experiência deixa-nos afirmar que muitos dos processos desta natureza, ou seja, associados a um montante superior a um milhão de euros, são transferidos para a insolvência.
- A acção executiva é um dos temas marcantes da justiça portuguesa. O que falta para ser mais eficaz?
- Todas as medidas que puderem ser tomadas a montante para evitar a banalização da acção executiva serão muito bemvindas. Será essencial criar um processo simplificado de averiguação do património e da situação das pessoas envolvidas que permita evitar a abertura de processos judiciais inviáveis. Este processo de averiguação seria aplicável sempre que houvesse sentenças ou títulos equiparados que permitissem a consulta de dados. Isto, claro está, de acordo com os critérios de. segurança e de constirucionalidade. O processo extra-judicial pré-executivo (PEPEX) vai ao encontro de todos estes requisitos. Trata-se de uma solução a montante do próprio processo que permitirá, dentro de regras de segurança impostas legalmente, averiguar o património e a localização dos devedores e, consequentemente, a viabilidade do processo. Uma das medidas que poderá permitir que a acção executiva se torne mais célere consiste na viabilização da penhora electrónica eficaz de depósitos bancários, ou seja, o congelamento dos valores em dívida no banco até à liquidação da mesma. Outra medida urgente passa pelo acesso integral às informações fiscais dos devedores, com especial ênfase nos processos relacionados com empresas.
- O número de acções executivas tende a agravar-se em 2013?
- Se o PEPEX for rapidamente introduzido no ordenamento jurídico, estou certo que o número de processos irá diminuir drasticamente. Mas, num contexto de crise como aquele que atravessamos, o número de dívidas tenderá a aumentar, apesar de se verificar um aumento das cautelas e das averiguações prévias, por parte das empresas nos fornecimentos a crédito
Lígia Simões | Diário Económico | 18-03-2013
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