A Administração Tributária (AT) não disponibiliza automaticamente informação sobre os rendimentos dos profissionais liberais, o que continua a dificultar muito as cobranças de dívidas. Os agentes de execução queixam-se de intransigência e dizem que devia haver mais diálogo. O presidente da Câmara dos Solicitadores defende mesmo que os agentes de execução até podiam colaborar com o fisco nas cobranças de dívidas fiscais.
- Os agentes de execução têm acesso dírecto a cada vez mais informação para cobrar dívidas. Que problemas continuam ainda a enfrentar?
- Uma dificuldade grave tem a ver com as pessoas que trabalham com recibos verdes. Só conseguimos informação sobre os seus rendimentos pela via fiscal e o Fisco tem levantado imensas resistências a conseguirmos localizar por exemplo quem é a entidade patronal que paga a essas pessoas e que muitas vezes até é uma única entidade.
- Mas já podem aceder à base de dados da Administração Tributária (AT)
- Sim. É importante explicar que os nossos acessos partem do principio de que o executado foi identificado pelo tribunal. A partir do momento em que nos comunicam a existência de um processo contra a pessoa x, passamos a ter acesso às informações nessas centrais de dados sobre aquela pessoa Não podemos ter acesso a informações sobre qualquer pessoa. E as informações do Fisco limitamse aos imóveis em nome da pessoa, ao NIF e a informações mitigadas, nomeadamente automóveis. A nossa informação via fiscal é muito limitada. O Fisco tem muito mais informação do que nós. Consegue saber imediatamente se a pessoa tem depósitos a prazo, quais os bancos onde foram creditados juros e cobrado o respectivo imposto, consegue saber todos os produtos financeiros... nós só conseguimos isso após um despacho judicial, com grande demora burocrática E o caso dos independentes é muito difícil, porque não sabemos quem são as entidades que normalmente entregam dinheiro àquela pessoa Tenho um caso de um piloto aviador, que trabalha para várias companhias nacionais e internacionais, e eu não lhe consigo cobrar nada apesar de saber que o senhor tem um rendimento superior a 15 mil euros mensais. Sempre com recibos verdes. Não se consegue penhorar.
- O Fisco privilegia muito as suas próprias cobranças de dívidas fiscais?
- O Fisco evoluiu muito, o sistema informático também, mas toda a legislação se mantém como antigamente. Quando abrimos um processo temos de comunicar ao Fisco, quando penhoramos temos de comunicar para eles virem ver se querem ter prioridade ou não, quando terminamos temos de comunicar, para ver se eles querem continuar... o Fisco tem uma posição absolutamente predominante no processo.
- A AT está demasiado preocupada com a suas cobranças para mudar isso.
- Sim, numa altura de crise económica tão grande, acredito que o Fisco não quererá abrir mão de nenhuma situação, mas penso que o diálogo podia ser mais proveitoso. Para os dois lados.
- Que tipo de diálogo?
- Os agentes de execução podem começar a cobrar as dívidas do Fisco. Como acontece por exemplo na Holanda, onde tanto o Fisco como a Segurança Social são assegurados pelos agentes de execução
- O que teria o Fisco a ganhar se já tem o seu próprio sistema, que é tão eficaz?
- Mas nós temos vantagens. Nós vamos procurar as pessoas aos locais e o fisco tem alguma dificuldade nesse aspecto, em por os funcionários ao sábado e ao Domingo. O Fisco faz um processo bom em termos informáticos, mas falta-lhe o factor proximidade e aí os agentes de execução liberais têm grandes vantagens. Tem o conhecimento local das pessoas, das circunstâncias. Pelo menos em determinados processos tanto o Fisco como a Segurança Social ganhariam se os processos, ou determinadas diligencias fossem entregues aos agentes de execução. É o caso da citação. Nalguns casos o Fisco simplifica exageradamente os mecanismos da citação, retirando até alguns direitos às partes, através dessas cartas que nem registadas são e com algumas soluções a raiar a inconstitucionalidade. Neste momento, no processo executivo a proximidade é muito importante. O agente de execução aparecer rápido, face a uma dívida recente, é extremamente dissuasor.
- O Código de Processo Civil trouxe as vantagens prometidas pelo Governo?
- Apresentámos sugestões e criticas que tiveram pouca audição, mas reconhecemos que houve progressos. O mais importante foi ter-se concretizado a penhora electrónica de depósitos bancários, que já estava prevista desde 2003, mas que não se conseguia fazer. Uma pequena alteração com uma importância enorme e estou convencido que vai permitir diminuir as penhoras de bens móveis que são sempre mais desagradáveis e mais humilhantes para os executados. Já estamos a sentir essa eficácia, não só no volume das penhoras que estão a ser feitas, mas também porque as pessoas quando vêm as contas bloqueadas [isso acontece por um período de 5 dias antes de se passar à penhora] imediatamente aparecem a correr a pagar. Está a ter esse efeito de melhoria da eficácia do sistema Todo o sistema ainda vai precisar de ser afinado, mas é um passo enorme.
- Ficaram a faltar aspectos muito importantes?
- Faltam algumas alterações cirúrgicas, como é o caso dos depósitos públicos, previstos no código desde 2003, para onde serão removidos os bens móveis penhorados que depois seriam vendidos mensalmente. Estes depósitos só funcionariam se não existissem tantos esquemas de garantias na venda de bens e tantas notificações afazer. Os bens não se conseguem vender rapidamente, ficam um ano à espera nos depósitos e no fim, só dificilmente alcançam o valor para pagar o armazenamento. A remoção de bens acaba por ser mui topouco eficaz. A Câmara dos Solicitadores está a preparar a venda de bens em leilão electrónico, que não encareça demasiado o processo.
"Novos emigrantes fogem de dívidas que depois dificilmente conseguimos cobrar"
Apesar das novas facilidades, cobrar uma dívida ainda demora, em média, dois anos. Caso dos emigrantes é dos mais complicados
- Há três anos chegavam a ser precisos cinco anos para fazer uma cobrança de divida. Isso mudou?
- Mudou muito. Os meios à disposição dos agentes de execução estão muito mais eficazes. Não quer dizer que já tenhamos atingido os 100%, mas temos já muita gente a queixarse da rapidez do processo e isso é positivo. Temos acesso a informação sobre reformas, salários, bens móveis e imóveis, e agora a possibilidade das penhoras bancárias. Não quer dizer que não subsistam problemas, mas em 2009 chegávamos a esperar dois anos por dados da Segurança Social, hoje podemos aceder à informação de imediato. E isso tem permitido este aumento de penhoras, que tem um grande efeito dissuasor, as pessoas têm tendência de não repetir e a não recorrerem tanto à solução do crédito fácil que depois não vão pagar. Já estamos a assistir a uma redução dos processos de execução e estou convencido que este ano vamos ter menos 20% que no ano passado.
- Agora quanto tempo demora em média cobrar uma dívida?
- A média desceu para dois anos, mas temos processos resolvidos em menos de três meses, aqueles em que se identifica logo o património do executado. Os processos em que não se consegue cobrar são os de pessoas que não têm património próprio nem morada certa. Temos muito emigrantes, pessoas que se desesperaram, incapazes de cumprir os seus compromissos, e que emigram para Angola, Alemanha, França. Há um trabalho que está a ser feito pela União Internacional dos Oficiais de Justiça (UIHJ), que congrega os agentes de execução, por forma a conseguir que seja fácil localizar património de pessoas em todo o espaço europeu. E a UE também procura soluções que permitam, por exemplo, fazer penhoras bancárias em qualquer país da Europa
- Há muitas dívidas por cobrar a emigrantes?
- Sim, toda a sensibilidade vai nesse sentido. Temos uma nova emigração, de pessoas que fogem de dividas que depois dificilmente conseguimos cobrar. O pequeno empreiteiro que não tem soluções e vai para fora. Vemo-nos aflitos para os encontrar e acabamos por ter truques, como ir identificar essas pessoas em Agosto, nas férias. Outras vezes conseguimos já, nomeadamente em França, através a UIHJ, fazer identificações e penhoras. Houve alguns avanços, mas ainda há muito caminho a percorrer ao nível europeu.
- Como está a funcionar o Balcão Nacional do Arrendamento (BNA)?
- Temos de ser sinceros e o BNA não está a correr bem. A solução tem de ser afinada em termos informáticos e legislativos. Tem havido muitas dificuldades na comunicação informática A citação, por exemplo, não teve uma boa solução. A antiga, que obrigava o agente de execução a citar e a avaliar logo à partida a situação do executado era muito melhor. Agora não se faz a avaliação sociológica e local. A citação é feita pelo senhorio, que faz uma espécie de notificação avulsa, ainda desintegrada do que será depois o processo. A citação pessoal permitia que o agente de execução avaliasse o caso da velhinha, da família com crianças, ia falar com a Segurança Social, com a Câmara Municipal, falava com as pessoas, dava-lhes prazos. Agora não funciona, aliás, as estatísticas indicam que o BNA está a recusar uma série de processos por as citações estarem mal feitas.
"Honorários do agente de execução têm de ter dignidade"
- Uma das preocupações da troika era dar mais segurança e transparência à actividade dos agentes de execução. Isso está feito?
- Nós já dizemos entre nós que felizmente tivemos uma grande crise em 2011, com situações em que agentes de execução não apresentaram contas como deviam e que obrigaram à expulsão de 26 pessoas, num total de 1.100. Os novos sistemas de gestão que foram impostos não só facilitam muito ávida aos agentes de execução, como todo dinheiro que entra nos processos é devidamente identificado. Isso é extremamente importante. A comissão para a Eficácia das Execuções também passou a ter um trabalho muito mais pró-activo e temos sem dúvida muito maior transparência.
- Clarificação da tabela de pagamentos foi positiva?
- Tem um aspecto positivo que é deixar de haver uma concorrência entre agentes de execução a ver quem é que levava menos, o que não fazia sentido, já que todos fazem o mesmo serviço público. Tem um aspecto que consideramos negativo, porque achamos que os serviços efectuados nos processos em que não há recuperação são relativamente mal pagos. E o agente de execução tem de ter uma remuneração que lhe garanta dignidade, senão não poderá resistir às tentações que surgem sempre nestas profissões.
- Contínua a haver agentes com muitos mais processos?
- Temos alguns que por ano recebem 20 processos, outros que têm 50 mil. Mas tem havido uma posição muito resistente da troika, que considera que não deve haver nenhuma contingentação. A troika defende, e será isso que será proposto no estatuto da futura Ordem, que o agente de execução está sujeito disciplinarmente à redução de processos quando não der andamento, quando tiver mais do que x processos pendentes. Penso que é uma má solução. Temos de ser realistas. Neste momento, não temos estrutura para responder ao colapso de um escritórioquetenha50milprocessos.
UM SOLICITADOR ESPECIALISTA NA ACÇÃO EXECUTIVA
Eleito para a presidência da Câmara dos Solicitadores em 2011, José Carlos Resende, 58 anos, termina agora o seu mandato, numa altura em que o processo de execução enfrenta grandes mudanças, com o Código de Processo Civil recentemente entrado em vigor. A Câmara dos Solicitadores reúne os agentes de execução, que procedem às cobranças de dívidas nos tribunais, e por cujas mãos passam os mais de um milhão de acções executivas pendentes nos tribunais. José Carlos Resende é solicitador desde 1978 e tem exercido sobretudo na zona de Viana do Castelo e Ponte de Lima e mais recentemente também na comarca de Lisboa. Na liderança dos solicitadores, tem acompanhado toda a reforma da acção executiva, desde 2003. E agora, mais recentemente, com a revisão do código de processo civil.
A Câmara dos Solicitadores vai a votos sexta-feira, 6 de Dezembro, para eleger o novo presidente e José Carlos Resende volta a candidatar-se ao cargo.
Filomena Lança | Jornal de Negócios | 05-12-2013
Comentários (3)
Exibir/Esconder comentários
...
É muito difícil falar Português jurídico correctamente?!?
«Uma dificuldade grave tem a ver com as pessoas que trabalham com recibos verdes. Só conseguimos informação sobre os seus rendimentos pela via fiscal e o Fisco tem levantado imensas resistências a conseguirmos localizar por exemplo quem é a entidade patronal que paga a essas pessoas e que muitas vezes até é uma única entidade.»
Não sei o que é "trabalhar com recibos verdes". Sei o que é trabalhar com máquinas agrícolas, com teares, com ferramentas de marcenaria, com macacos hidráulicos. Trabalhar com recibos verdes não sei o que é. Deve ser uma novel profissão surgida com as "Novas Oportunidades"... Não chegava já o abastardamento da Língua (escrevo Língua como se escreve Pátria: com maiúscula, tratando-se da Língua minha) na expressão "fulano trabalha a recibos verdes"? Ainda se tolerava...
Não sei o que é a entidade patronal de quem "trabalha com recibos verdes". Que as há, essas entidades patronais, a receber o chamado recibo verde após a entrega de valores remuneratórios por verdadeiro trabalho e não por prestação de serviço, lá isso há. Mas isso não permite a ligeireza de se falar assim: «o Fisco tem levantado imensas resistências a conseguirmos localizar por exemplo quem é a entidade patronal que paga a essas pessoas [as «pessoas que trabalham com recibos verdes»]»!
Não basta já o Governo, a ATA (Autoridade Tributária e Aduaneira, sincopada contudo para "AT", para que a população não goze com mais uma sigla/acrónimo igual a outras deliciosas como "Portugal Telecom(e)", EMEL (pois é, é mel, mas não é de abelha), et caetera), e sei lá quem mais darem o nome de "trabalhadores independentes" a quem, juridico-rigorosamente, não é trabalhador?!? Não bastava já a AT não saber a diferença entre uma factura e um recibo?!? Não? Irra, que é demais tanto disparate! Isto deve ser tudo gente que no Verão "aluga" um apartamento no Algarve enquanto "paga a hipoteca" ao rais-parta do banco. E que quando os tratam por "sr. doutor" nunca se lembra de dizer que não é doutor coisa nenhuma, mas mero licenciado. Em Angola ou em Moçambique o Português é tratado com mais respeito.
Escreva o seu comentário
< Anterior | Seguinte > |
---|