Inquérito. Profissionais com menos de dez anos de atividade revelam que em Lisboa a maioria ganha menos de 1200 euros líquidos. Já o Instituto de Apoio aos Jovens Advogados admite que a média nacional não ultrapassa 600. Muitos já suspenderam atividade.
"Estou com 30 anos, vivo sozinho mas ando sempre a contar os tostões para chegar ao fim do mês." Este é o "retrato" da vida de José Costa, licenciado em direito há sete anos e a auferir 900 euros por mês, no escritório de advogados onde trabalha. "Só a renda é quase metade do que ganho", desabafou ao DN. Apesar de o seu ordenado está acima do ordenado mínimo nacional, o licenciado pela Universidade de Coimbra ainda faz parte de uma geração em que a licenciatura em Direi toera sinónimo "de futuro garantido" ou mesmo "de um bom ordenado".
Mas a realidade é outra: os advogados com menos de dez anos de carreira apontam a entrada no mercado como a principal dificuldade no exercício da atividade, mais de metade ganha menos de 1200 euros depois de pagos os impostos e a maioria desistiu do apoio judiciário devido aos atrasos nos pagamentos. Estas conclusões constam de um inquérito realizado pelo Conselho Distrital de Lisboa (CDL) da Ordem dos Advogados (OA) entre julho e setembro a 4300 profissionais. No total, são quase 11 mil os advogados a exercer há menos de dez anos - que estatisticamente é considerado jovem em advocacia - sendo que cerca de três mil estão com inscrição suspensa, a maioria mulheres.
O trabalho do CDL, avançado em exclusivo ao DN, admite ainda que metade destes profissionais forenses (50%) trabalha ou em prática individual ou partilha escritório com colega para poupar nas despesas de arrendamento do espaço. Assim, do número de advogados que responderam ao inquérito - 1128 dos 4300 inquiridos - mais de metade (55%) admitem que ganham menos de 1500 brutos (cerca de 1200 líquidos) e que a dificuldade em entrar no mercado de trabalho e os atrasos nos pagamentos dos honorários (mesmo por parte dos clientes) são os principiais entraves à sua realização profissional. Só 77 advogados assumiram que ganham mais que 3500 euros mensais. "Em consequência da redução do mercado de trabalho e tendo em conta o aumento exponencial do número de advogados a que se assistiu, a saturação do mercado de trabalho era inevitável", explicou ao DN Vasco Marques Correia, líder do CDL e coordenador do estudo (ver entrevistado lado). "Esse problema só se resolverá combatendo a desjudicialização e a procuradoria ilícita", defende.
Além dos ordenados baixos, estes profissionais têm ainda de pagar as quotas mensais de 18,73 euros à Ordem dos Advogados (nos primeiros quatro anos) e 37 euros a partir daí, pelo menos enquanto exercerem a profissão. Ana Sofia Sá Pereira, presidente do Instituto de Apoio aos Jovens Advogados (IAJA) sublinha que "a maioria dos colegas mais novos exercem com escritório a meias com colegas ou em sociedades, já que a prática individual nesta fase inicial da carreira é praticamente impossível". A titular do cargo, nomeada no ano passado, reforça a ideia de "a procura é muito maior queaoferta".Eacusaopoder político, devido às sucessivas alterações legislativas na área da Justiça que "diminuíram em muito o papel de intervenção do advogado, já que o acesso ao tribunal está cada vez mais restrito", sublinha A advogada critica ainda o novo regime dos inventários, que "abre a porta descaradamente à procuradoria ilícita". Porém, admite que a crise está a criar algumas oportunidades de trabalho em áreas específicas como "o direito do trabalho, direito do consumo ou mesmo a área das insolvências", concluiu.
Segundo o mesmo estudo (ver dados na infografia), a maioria dos entrevistados exerce a advocacia "de forma generalista" e menos de metade dos profissionais tem oportunidade para a especialização. A morosidade da Justiça é, para 54% dos advogados, o maior problema da Justiça portuguesa, seguindo-se a falta de meios.
Só 35% dos advogados de Lisboa fazem oficiosas
Apoio Judiciário No ano passado, os advogados receberam por defesas oficiosas 41,4 milhões de euros. Em março deste ano, a dívida de oito milhões foi integralmente paga
Dos advogados inquiridos pelo Conselho Distrital de Lisboa (CDL), apenas 35% dos jovens estão atualmente inscritos no sistema de acesso ao direito para poderem realizar defesas oficiosas e receber posteriormente honorários do Ministério da Justiça (MJ). Uma percentagem bem menor do que a registada há uma década, em que a maioria dos cidadãos sem dinheiro para pagar a um advogado era patrocinada por jovens em início de carreira, incluindo estagiários.
"Evidentemente que os sucessivos e reiterados atrasos no pagamento dos honorários por parte do Ministério da Justiça (MD constituem um motivo desencorajador para quem se dedica ao apoio judiciário", explicou ao DN o líder do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, Vasco Marques Correia. Ainda assim, o advogado admite que estes 35% "é uma percentagem razoável, e que corresponde às necessidades do sistema de acesso ao direito". O mesmo estudo revela que 21% dos inquiridos consideram que os atrasos nos pagamentos por parte do Estado é uma das principais dificuldades no exercício da profissão. Por mês, o Instituto de Apoio aos Jovens Advogados (IAJA) recebe mais de dez queixas de advogados que estão meses à espera do pagamentos dos honorários em sede de apoio judiciário. Ao que o DN soube, neste mês de outubro o MJ já regularizou uma tranche em atraso, mas de serviços feitos em maio. Segundo os últimos dados oficiais, o Estado regularizou oito milhões de dívidas aos profissionais forenses, em março. Segundo o relatório de atividades de 2012 do Instituto de Gestão Financeira e de Infraestruturas da Justiça, avançado recentemente pelo jornal i, o gabinete de Paula Teixeira da Cruz pagou 45,9 milhões de euros em apoio judiciário, o que representa um decréscimo de 34,2 milhões (42,7%) em relação ao verificado em 2011. Quanto ao apoio judiciário e outras prestações de serviços, o relatório de gestão revela que foram pagos 41,4 milhões aos advogados patrocinados pelo Estado para representar as pessoas sem recursos financeiros, o que representa menos 12,8 milhões (23,7%) do que em 2011. No entanto, as dívidas do ministério aos advogados registaram um novo agravamento - quase seis milhões. "O CDL, durante o meu mandato, exigiu ao MJ a regularização dos honorários em atraso, tendo sido significativamente reduzido o valor da dívida", sublinhou Vasco Marques Correia. Já Ana Sofia Sá Pereira, presidente do IAJA, defende que o regime de acesso ao direito "é uma grande ajuda aos advogados porque cria mais oportunidades de trabalho, embora admita que haja atrasos nos pagamentos".
PAGAMENTOS
APOIO JUDICIÁRIO
Segundo o Instituto de Gestão Financeira e de Infraestruturas da Justiça foram pagos 45,9 milhões de euros em apoio judiciário, o que representa um decréscimo de 34,2 milhões (42,7%) em relação ao verificado em 2011.
41 MILHÕES PAGOS
O relatório de gestão revela que foram pagos 41,4 milhões aos advogados patrocinados pelo Estado para representar as pessoas sem recursos financeiros, o que significa menos 12,8 milhões (23,7%) do que ¦ em 2011.
SEIS MILHÕES EM DÍVIDA
No final do ano passado, o Ministério da Justiça devia cerca de seis milhões aos oficiosos. Esse valor acabou por subir para oito milhões em março. Porém, nesse mês, este valor foi regularizado pelo gabinete de Paula Teixeira da Cruz.
Guia prático sobre profissão para licenciados em direito
MANUAL O Instituto de Apoio aos Jovens Advogados (IAJA) - que defende quase 11 mil advogados com menos de dez anos de profissão -lançou um manual que contém regras de como exercer a profissão. "O trabalho é o resultado de uma dezena de preocupações reiteradamente reportadas pelos jovens advogados ao IAJA", explicou Ana Sofia Sá Pereira, presidente do Instituto. O documento foi apresentado em setembro, no m Encontro de Jovens Advogados, realizado na Ordem dos Advogados, em Lisboa. "Não pode ser feita nenhuma referência ao nome do cliente, salvo quando autorizado por este", pode ler-se na lista de regras a seguir. O trabalho refere ainda a proibição de atos ilícitos de publicidade, tais como "colocar conteúdos persuasivos, ideológicos, de autoengrandecimento e de comparação, bem como fazer referência a valores de serviços, gratuitidade ou forma de pagamento". No mesmo encontro, a presidente colocou à discussão a possibilidade de redução de quotas. "A possibilidade de obter prorrogação da redução das quotas pagas à Ordem dos Advogados por mais um ou dois anos além dos previstos", explicou na altura a advogada Esta é umas propostas que vai ser levada ao gabinete da ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, já que atualmente, os jovens advogados pagam metade do valor das quotas (18,73 euros) mas só até aos quatro anos de exercício de atividade. A partir daí passam a pagar 37 euros. O IAJA propôs ainda a negociação de "condições especiais pela Ordem dos Advogados, para abertura de um microcrédito ao jovem advogado, para poder iniciar a profissão".
4 PERGUNTAS A... MARQUES CORREIA Conselho Distrital de Lisboa
"A massificação da profissão agravou-se"
- Qual é a maior dificuldade de um jovem advogado quando inicia a profissão e durante os primeiros anos de carreira?
- A maior dificuldade sentida pelos jovens advogados é a entrada no mercado de trabalho. O que, infelizmente, não é de estranhar. Tendo em conta aredução das áreas de trabalho que poderiam ser aproveitadas pelos colegas mais novos, decorrente do crescente processo de desjudicialização em curso nos últimos anos. Assim como por força de várias atribuições que eram anteriormente confiadas aos advogados e que passaram a ser realizadas por outros profissionais, nomeadamente notários, sociedades de mediação imobiliária (ex. Casa Pronta). Sem esquecer o problema da procuradoria ilícita.
- A remuneração mensal está abaixo dos 1200 euros. A profissão está a perder o prestígio?
- Efetivamente o inquérito revela esse dado objetivo. Infelizmente é uma consequência da massificação da profissão, situação que se agravou na primeira década de 2000. Julgo que não se trata da perda de prestígio da profissão mas antes da redução do mercado de trabalho, associada ao aumento do número de advogados. O que se agravou com a crise económica em que o país tem estado mergulhado nos últimos anos. A razão poderá ser a proliferação de faculdades de direito? Julgo que não será esse o principal problema. O aumento do número de advogados resultou naturalmente do elevado número de licenciados em direito, provenientes de várias universidades. Mas o estágio de advocacia é realizado na Ordem dos Advogados e só são admitidos ao exercício da profissão os estagiários que estejam em condições, independentemente da universidade onde tenham tirado o curso.
- O caminho é a prática individual ou as sociedades de advogados?
- Entendo que todas as formas de exercício da profissão são igualmente necessárias, seja numa sociedade de advogados, na prática individual, como advogado de empresa ou outra.
Filipa Ambrósio de Sousa | Diário de Notícias | 30-10-2013
Comentários (9)
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Há advogados que nem o ordenado mínimo levam para casa e muitos estão a optar por não continuar com a profissão.
Os custos, despesas de lançamento desta área são excessivos para a falta de clientela. Os únicos que ainda vão tendo saída são as sociedades de advogados, mas essas tem como cliente o Estado e os Ajustes Directos que são uma corrupção dentro do país...
Outros que se safam são os advogados de bancos ou caixas, mas aí também prevalece uma promiscuidade estranha.
Allez
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A comprovar isso é a base.gov....Só a sociedade de advogados Sérvulo e associados este ano já faturou € 700.000,00. Qual o Cliente? O Estado? Uma pouca vergonha que ninguém põe termo...
Estas sociedades deviam ser responsabilizadas pela crise...e mais não digo...
Quanto aos advogados, vão passar muito sofrimento. Aos advogados das sociedades de advogados esses vão continuar a proliferar pelos ajustes directos e os altos prémios!
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Quanto a vencimentos se é que se assim se pode chamar: O único aluno de Matemática da FC/UNL do ano 2001-2004 a concluir o curso neste período, está colocado no quadro de honra na 1ª fase de mestrado de Estatística, com mais graduações após a licenciatura, tem um vencimento de 700€ e trabalho numa instituição bancária, através de uma empresa, com porta aberta para desvinculação a cada dia.
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«Não há trabalho aqui, emigrem»
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Nem será certamente o número excessivo de advogados. Isso é atirar areia para os olhos.
O problema é que a economia está completamente arruinada, e mais para lá caminha, as pequenas empresas e as famílias (que são o verdadeiro motor desta economia) estão mortos, não tem capacidade financeira de pagar contas, quanto mais procurar aconselhamento jurídico e litigâncias em tribunal. Logo, este problema não é exclusivo dos "jovens" advogados, é de todos, quer sejam jovens ou velhos, quer sejam licenciados, mestres, doutores ou não.
A realidade é que faliram o nosso país, e ninguém foi e é responsabilizado.
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Não havendo trabalho para advogados como há milhões para estas sociedades?
Discordo!
A generalidade dos conflitos motivados pela simples ignorância e/ou pela óbvia má fé seriam rápida e expeditamente resolvidos!
Recordo ter dito aqui que onde moro na RFA é comum se o vizinho é barulhento (entre outros casos) recorrer ao advogado e não á policia!
Acontece apenas que neste quintal das traseiras a justiça e o direito são tratadas como a construção civil!
Esta tudo nas mãos de certos arquitectos que por sua vez estão nas mãos de certos autarcas que por sua vez estão nas mãos de certas empresas de construção civil que por sua vez estão nas mãos de certos sectores da banca que por sua vez... políticos....governo..... perdoem-me ...mas o resto já todos sabem....
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