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REVISTA DE 2012

Jorge Miranda horrorizado

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Jorge Miranda, um dos ‘pais’ da Constituição da República, considera «horroroso» o processo de nomeação de três juizes para o Tribunal Constitucional (TC), feito esta semana pelo PS, PSD e CDS. «É a partidarização mais completa do TC. É um sistema horroroso e um precedente gravíssimo» – diz ao SOL o constitucionalista e professor da Faculdade de Direito de Lisboa, sobre o facto de Conde Rodrigues, Saragoça da Matta e Fátima Mata-Mouros terem sido anunciados à vez, pelo PS, PSD e CDS, respectivamente.

«É inadmissível que estas propostas de eleição pela AR apareçam como propostas de partidos. Antes, o que havia era uma proposta conjunta, em lista, um acordo tácito dos dois maiores partidos, embora se pudesse saber mais tarde quem tinha indicado quem», recorda Jorge Miranda.

A indicação de Conde Rodrigues – a mais polémica, pela falta de currículo como juiz – levanta também problemas de legalidade. O ex-secretário de Estado da Justiça de José Sócrates foi apontado pelo PS para preencher a quota de magistrados de carreira. Mas além de ter cumprido apenas um ano e meio como juiz de primeira instância no Tribunal Administrativo (onde entrou em 2003 através de um curso especial para agentes da Administração Pública), o candidato encontra-se também em licença prolongada.

Conde Rodrigues não é Juiz, diz o Conselho Superior

O SOL questionou o presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais se Conde Rodrigues pode intitular-se juiz. A resposta é negativa: «Os juizes da jurisdição administrativa e fiscal regem-se pelo estatuto dos magistrados judiciais, sendo-lhes aplicável o artigo 14.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais», responde António Calhau. Ora, este artigo estipula que os magistrados em licença de longa duração não podem intitular-se juizes.

O PS não esclarece se Conde Rodrigues pediu o levantamento da licença. A questão deverá ser analisada nas audiências aos candidatos, na primeira comissão do Parlamento. A presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves, adiou 15 dias a votação (prevista para hoje), numa altura em que o mal-estar já era evidente no Parlamento sobre as escolhas para o TC. Os socialistas insistem num ponto: o nome de Conde Rodrigues – uma escolha pessoal de António José Seguro – não será retirado. O deputado do PS Vitalino Canas diz ao SOL que a questão da licença prolongada não é problema e que o facto de Conde Rodrigues ter sido magistrado apenas durante um ano e meio (entre 2003 e 2005) não tem importância. «Ou se é magistrado ou não. A Constituição não impõe um tempo de exercício mínimo, e ainda bem, porque já é difícil arranjar juizes de carreira para o Tribunal Constitucional», afirma Vitalino, que também é constitucionalista.

«O tempo como juiz é curto? Sim, mas conta», subscreve Ricardo Rodrigues, vice-presidente da bancada socialista.

Antigos juizes criticam ‘tem pouco tempo de serviço’

Guilherme da Fonseca, ex-juiz do TC, ouvido pelo SOL, tem uma opinião diferente. «Deploro que se faça a indicação de um magistrado com tão pouco tempo de serviço. A norma era irem buscar-se juizes aos tribunais superiores. Mas mesmo quando era um juiz de primeira instância, e isso aconteceu algumas vezes, a carreira do magistrado tinha 15 ou 20 anos. E não um ano e meio» – salienta o juiz-conselheiro jubilado.

«A AR está a contribuir para baixar o nível do TC», conclui Guilherme da Fonseca. Quanto ao método, o magistrado também repudia a indicação por partido: «Antes, havia uma lista, percebia-se a proveniência de cada um – eu próprio fui envolvido nesse esquema. Mas agora é afrontoso. Foge à normalidade. Estão a exceder o limite».

O novo presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Rui Cardoso, ajuda ao coro de críticas, admitindo ser «natural» que a escolha dos nomes em causa «levante suspeitas aos portugueses». Em artigo no Correio da Manhã, escreveu que a partidarização da escolha dos juizes pode levar à «extinção por inutilidade» do TC.

Conde não é ‘doutorando’, Saragoça já ajudou PSD

Conde Rodrigues é actualmente consultor jurídico na sociedade de advogados ABBC. No site desta, o candidato do PS ao TC anuncia que está a fazer um doutoramento na Universidade Católica, o que não acontece. «Entregou um requerimento, mas não foi ainda admitido a doutoramento. Neste momento não há sequer doutoramentos em curso», esclarece o departamento de Direito da Católica. Fonte do PS diz que Conde Rodrigues, no processo entregue na AR, não usou essa Informação.

O perfil de Paulo Saragoça da Matta, o candidato do PSD, também tem sido contestado. O penalista ajudou na elaboração do projecto de lei de enriquecimento Ilícito que o TC chumbou este mês. Na próxima sessão legislativa, poderá ser um dos juizes a Julgar a nova versão da lei, que o PSD insiste em apresentar. A candidata do CDS, Fátima Mata-Mouros, é Juiza-desembargadora na Relação de Évora e a única cujo percurso tem escapado á polémica. O seu currículo é mesmo elogiado por Jorge Miranda.

Manuel A. Magalhães | Sol | 20-04-2012

Comentários (11)


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Estado de pouca vergonha
Haverá alguem com um mínimo de decência que acredita que somos um Estado de Direito?
Haverá algum magistrado de carreira que aceite ir para este TC?
Haverá algum colega que lhe aperte a mão?
Barracuda , 20 Abril 2012 | url
...
Que exagero Barracuda. Convem manter algum equilibrio.
Importa perceber, coisa que até aqui não foi dita, que um juiz do TC ganha como juiz.
Ora, um jurista de mérito, com nome na praça, aceita ir ganhar um ordenado de juiz?
Com exclusividade?
Claro que os nomes indicados correspondem aos juristas de mérito que ganham menos que juízes.
E não haverá muitos.
Portanto, serão juristas com "algum" mérito.
Realista , 20 Abril 2012
...
Ó Sr. Prof. das duas uma.
Ou V. Exa. tem andado a dormir e por isso tenho que colocar em causa aquilo que sabe sobre direito constitutcional, dado que não está a par da realidade constitucional.
Ou então, sabe perfeitamente o que se passa e nesse caso estamos perante um caso de hipocrisia.
cgf , 20 Abril 2012
...
O q aconteceria no CSM se 20 ou 50 juizes pedissem em 2012 licença sabática para ir fazer mestrado/doutoramento como fez a colega Mata-Mouros?
ABC , 20 Abril 2012
...
Quando o filho circulava por uns certos corredores ministeriais e os cortes não tocavam na reforma esperada, a patente politização do TC não incomodava o Sr. Professor...

Por que razão não se indignou com episódios como o do Dr. Rui Pereira?
Digo , 20 Abril 2012 | url
Calminha
A colega Mata Mouros é uma juiz com muitos anos de carreira e mérito - as licenças sem vencimento deviam ser apenas utilizadas para teses de mestrado e doutoramento.

Sinceramente acho que a colega é o único nome decente indicado para o TC nesta lista de vergonha. Só tenho pena que ela se veja no meio desta polémica.
Novato , 20 Abril 2012
Canices
"«porque já é difícil arranjar juizes de carreira para o Tribunal Constitucional», afirma Vitalino"

Ou está a mentir descaradamente, o que não é normal num governante socialista, ou que o Dr. Canas que terá querido dizer é:


«porque já é difícil arranjar juizes de carreira DO NOSSO AGRADO para o Tribunal Constitucional».
Digo , 20 Abril 2012 | url
assim vai a Democracia de um Tribunal faz de Conta
Atrevo-me a acrescentar, camarada Digo, que o que Vitalino queria dizer era:

«Porque tem sido difícil arranjar juízes para o "Tribunal" Constitucional que decidam como nós esperamos que decidam».
farto , 20 Abril 2012
...
Atenção aos doutoramentos para magistrados.
Se forem feitos nos tempos livres do magistrado, sem pedir licenças remuneradas, tudo bem. Nada a apontar.
Mas se forem feitas com licença remunerada, isso sinifica que o Estado, leia-se o Zé Pagante, está a pagar a um Juíz não para resolver litígios entre cidadãos mas apenas para ele melhorar o seu currículo pessoal, coisa que é certamente muito vantajosa para o próprio mas da qual não vejo que resulte qualquer vantagem para o Patrão.
É que enquanto o magistrado/lente passa 3 anos em casa a melhorar o seu currículo pessoal, sem exercer a sua função, mas a receber o seu salário, outros houve que tiveram de fazer o serviço que caberia àquele.
Com isto não quero dizer que o CSM deveria proibir os juízes de brincar aos académicos. Pelo contrário, concedendo essa benesse a um só juíz que seja, fica moralmente obrigado a concedê-la a todos os outros.
Quero apenas salientar que uma licença remunerada para que o juíz A ou B melhorem o seu currículo pessoal serve apenas para isso mesmo. É algo que apenas serve o próprio, e não a magistratura ou os utentes da Justiça.
Hannibal Lecter , 21 Abril 2012
gargalhada
então mas o comentador anterior não conhece os vários casos de magistradas que desfrutam de belas licenças com vencimento para poderem fazer doutoramentos, temporadas de investigação no estrangeiro, etc.? Só nas faculdades públicas de Lisboa andam várias.
darth vader , 21 Abril 2012 | url
Bebamos
Conheço, caro darth. E conheço um caso em que isso foi feito em horário pós-laboral, sem prejudicar o Zé Pagante.
Mas o problema dos mestrados e doutoramentos de juízes não é a confusão entre as carreiras, que aliás funciona sempre em prejuízo da magistratura, pois não conheço um único académico que para progredir na carreira tenha de fazer um tirocínio como juíz nos Tribunais.
O problema é bem mais perverso: é quando os academismos são apenas um truque para chegar aos tribunais superiores, fazendo um salto de cavalo por cima de juízes mais competentes e mais, muito mais, independentes.
E o que é ainda mais cómico é que tudo isto é feito com cobertura legal.
Deixe lá, darth. Vamos beber mais um copo, pois no estado em que este País está, é a atitude mais sóbria a tomar.
Hannibal Lecter , 21 Abril 2012

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