A presente crise económica aumenta a vulnerabilidade dos agentes do Estado, incluindo os polícias, à corrupção por parte de organizações criminosas. A constatação foi, terça-feira, partilhada pelo diretor da Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT) da Polícia Judiciária, por ocasião de uma conferência sobre “Criminalidade violenta organizada”, realizada na Universidade Lusíada. Uma investigação centralizada e focada na deteção e captura das associações criminosas é a resposta sugerida por Luís Neves, partilhada também pelo procurador da República Carlos Pacheco Pereira, o outro orador do evento.
“A partir do momento em que há desigualdades sociais a agravarem-se, como no momento de crise que estamos a viver, o agente do Estado, também afetado, fica mais vulnerável. Nestas alturas de maior diferenciação social, a grande capacidade económica das organizações criminosas dá-lhes mais capacidade de intromissão no aparelho de Estado”, explicou o dirigente da UNCT, que investiga as associações criminosas.
Este quadro superior da PJ destaca que, segundo os critérios indicadores definidos pela Europol, uma das características da criminalidade organizada é o “exercício da influência em meios políticos, na comunicação social, na administração pública, autoridades judiciais ou na economia”. E Portugal não está imune.
“Todos os seres humanos têm um ponto frágil e isso vale também para todos os agentes do Estado. É evidente”, salienta, “que as organizações criminosas se vão aproveitar deste momento. Há que ter cuidado. Tem de haver medidas dissuasoras, que passam pela fiscalização e prevenção, ou haverá uma dupla derrota. Ou seja, todo o investimento que o Estado fez nessas entidades fica fragilizado por essas intromissões e a confiança dos cidadãos nessas entidades fica comprometida.”
O procurador da Comarca de Loures, por seu turno, lembra que “há uma convivência entre o crime violento e o crime de colarinho branco. O crime organizado gera dinheiro e capacidade económica aos seus autores e com isso tentam influenciar a autoridade”. O diretor da PJ vê como resposta contra a expansão do crime violento organizado uma “focalização da investigação criminal não apenas no caso concreto, no crime participado, mas visando o todo da estrutura criminosa”. As “estruturas repressivas do crime organizado” assevera, “têm de ser afoitas e corajosas e agir por antecipação. Uma vez sinalizada uma organização criminosa não se pode largar mais, todas as suas ramificações, até ficar ‘desfeita’”. Os fatores decisivos para o sucesso de investigações pró-activas passam pela “centralização das investigações e concentração de meios”.
O professor de Direito Penal da Lusíada, Pedro Salreu, promotor da conferência, salienta a “necessidade de colaboração entre o Ministério Público e as polícias e entre as próprias polícias”, questionando ainda “se o modelo mais adequado não será o de uma polícia única de investigação”.
CRIME ORGANIZADO
TIPOS DE GRUPO
As estruturas criminosas dividem-se em grupos de crime organizado locais, estrangeiros e gangues de rua. Pela primeira vez, no último relatório da Europol, de 2010, foi chamada a atenção para estes últimos. Segundo o procurador da República da Comarca de Loures, estes grupos violentos são neste momento uma das maiores preocupações das autoridades.
CARACTERÍSTICAS
Uma forte capacidade de mobilidade, uma implantação em vários zonas de um país e em vários países, rapidez de ação e grande agilidade, um forte pendor para a violência, uma grande flexibilidade para atuar em vários tipos de crime e uma grande capacidade de adaptação e a utilização de tecnologia de ponta, são as principais características que distinguem as associações criminosas, segundo a PJ.
FLUXOS
Os principais “roteiros” da criminalidade organizada a passar por Portugal são o tráfico de droga (África Ocidental), imigração ilegal (Mediterrâneo e Norte de África), tráfico de seres humanos (Leste), droga sintética, grupos itinerantes, criminalidade dos Balcãs.
LUÍS NEVES
Diretor da Unidade Nacional de Contraterrorismo da PJ
Licenciado em Direito
Formação em Quantico, na academia do FBI, em liderança, ética e tomada de decisão
Luís Neves, 48 anos, chegou à Polícia Judiciária em 1996 e deu logo nas vistas na então Direção Central de Combate ao Banditismo. Em dez anos atingiu o topo da carreira como coordenador superior e chegou a diretor nacional adjunto. Chegou a ser convidado pelo anterior Governo para chefe máximo da PJ, mas declinou. Neves é conhecido por gostar do terreno e pouco de gabinetes. Pela UNCT “passaram” os gangues do multibanco, o “rei Ghob”, traficantes que raptaram e torturam. A recente condenação do etarra de Óbidos deve-se à sua unidade.
Valentina Marcelino | Diário de Notícias | 16-02-2012
Comentários (2)
Exibir/Esconder comentários
Questão de Carácter
A capacidade para resistir à corrupção é sobretudo uma questão de carácter.
Ou se tem ou não se tem.
Há pessoas que ganham pouquíssimo dinheiro e são completamente impermeáveis a manobras de corrupção. Outras, porém, muitíssimo bem pagas e com património assinalável, deixam-se facilmente seduzir por tais meandros.
Não tem tanto a ver com necessidades, mas sobretudo com a escala de valores, com a flexibilidade / consistência da espinha dorsal...
Carácter...
Contudo aposto que em nenhum tipo de concurso para funções públicas são exigidas ou prestadas provas de carácter! Nem para policias nem para politicos nem para quaisquer outros.
Nem sequer é exigido o atestado de bom comportamento passado pelo pároco, nem os requesitos de não praguejar, não se embriagar, não bater na mulher, e mudar de cuecas ao menos todos os meses ,são tidos em conta.
Por isso , "carácter", "honra" "integridade" "verticalidade" e outros valores, são termos do passado com que nos deparamos apenas, ao ler os escritores doutros tempos como Eça, Camilo, Herculano,e Garret entre outros.
Escreva o seu comentário
< Anterior | Seguinte > |
---|