Pinto Monteiro deu instruções para se 'negociar' sanções e uniformizar os procedimentos. Há comarcas que já o fazem, como o Montijo ou Angra do Heroísmo.
O procurador-geral da República (PGR) quer acabar com os julgamentos de crimes de condução em estado de embriaguez. Fernando Pinto Monteiro enviou uma circular para todo o Ministério Público (MP) ordenando aos procuradores que, em vez da dedução de uma acusação com vista ao julgamento, se opte pela suspensão provisória do processo, propondo ao arguido o cumprimento de determinadas obrigações: trabalho comunitário, um donativo pecuniário a uma instituição de solidariedade social, frequência de uma ação de formação, ou outro. Os processos-crime por condução em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas ocupam o quinto lugar no ranking dos crimes mais registados pelas autoridades policiais. Nos crimes rodoviários apenas a condução sob influência do álcool registou uma subida de 5,5% em 2011 face ao ano anterior, com 23 274 casos reportados, segundo o Relatório Anual de Segurança Interna. Em 2010 registaram-se 22 067 casos, muitos mais dos que os furtos de veículos motorizados (20 310) ou os furtos por carteiristas (10739).
Assim, Pinto Monteiro explica que já várias comarcas aplicam a suspensão provisório do processo, ao passo que outras continuam reticentes. Um indivíduo intercetado a conduzir alcoolizado nas comarcas do Montijo ou de Angra do Heroísmo, por exemplo, seguramente que iria confrontar-se com aquela forma especial de processo. Mas se tal acontecer nas comarcas de Lisboa ou Porto, o mais certo é aguardar pelo julgamento. No Montijo, caso exemplar, as suspensões provisórias passaram de 22, em 2009, para 112, em 2011. No cômputo geral, o grau de utilização desta forma especial de processo no distrito judicial de Lisboa passou de 47%, em 2010, para 50,9%, em 2011. Assim, o PGR quer uniformizar procedimentos no MP sobretudo nos crimes de condução em estado de embriaguez. "Orelevo estatístico e político-criminal deste tipo de crime, a dispersão territorial dos factos integradores do mesmo, bem como o significativo número de processos em que o MP tem aplicado aquele instituto, justificam uma atuação uniforme desta magistratura, de modo a salvaguardar exigências de prevenção e a respeitar princípios conformadores do direito, designadamente o princípio da proporcionalidade e o princípio da igualdade perante a lei", disse Pinto Monteiro na circular a que o DN teve acesso.
Neste sentido, ordenou: "Perante expediente que seja apresentado para eventual submissão a processo sumário ou no âmbito dos inquéritos em que esteja em causa a prática de crime de condução em estado de embriagez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, os magistrados do MP deverão apreciar e equacionar a possibilidade de aplicação de soluções alternativas à dedução de acusação e submissão a julgamento." E, acrescenta-se, que, além da suspensão provisória do processo, há alternativas que dispensam o julgamento, como, por exemplo, o processo sumaríssimo ou abreviado e o arquivamento com dispensa de sanção. Diz o PGR: "Se da apreciação dos elementos disponíveis resultar a possibilidade de aplicação de formas processuais simplificadas ou do instituto de suspensão provisória do processo, os magistrados deverão ponderar, de entre aquelas soluções, qual a que responderá de modo mais adequado às exigências de prevenção, geral e especial, que concretamente se façam sentir." Banco contra a fome recebeu 48 mil euros sanção Para evitar ida a julgamento, condutores podem, por exemplo, doar dinheiro a instituições.
Em 2011, o Banco Alimentar, em Lisboa, recebeu 48 mil euros
Em vez de irem a julgamento, os condutores apanhados com uma taxa superior a 1,2 de álcool no sangue, como sanção, são convidados pelo Ministério Público (MP) a doarem uma determinada verba a uma instituição de solidariedade social. Foi desta forma que em 2011 o Banco Alimentar contra a Fome de Lisboa angariou 48 mil euros. Trata-se da aplicação de formas simplificadas de processo, como são a suspensão provisória ou o processo sumaríssimo ou abreviado, em que a pena a aplicar pelo delito é logo decidida pelo MP, com o acordo do arguido e do juiz de instrução, evitando-se, assim, o julgamento. Adoação de montantes em dinheiro já se tomou uma prática habitual. Inclusive, o Banco Alimentar de Lisboa já criou uma referência específica de pagamento pelo Multibanco.
Na procuradoria-geral distrital de Lisboa (PGDL), onde se trata quase 40% da criminalidade registada em Portugal, foram findos 235 736 processos em 2011, de um total de 314 870 movimentados. Entre os findos, a suspensão provisória do processo foi aplicada em 8130 casos, o processo abreviado em 2263, e o processo sumaríssimo em 2522. O arquivamento com dispensa de pena foi aplicado em 948 casos. Esta dispensa aplica-se, sobretudo, quando o arguido se dispõe a pagar a coima, a multa ou o imposto que motivou a abertura do inquérito por falta de pagamento.
No geral, na PGDL foram arquivados 79% dos processos findos e acusados ou tratados pela via dos chamados processos especiais e institutos de "consensualização e simplificação", os restantes 21%. Assim, feitas as contas, de entre os 235 736 processo findos, foram arquivados 186 699, sobrando cerca de 49 mil. Destes, cerca de 13 mil foram resolvidos sem necessidade de julgamento. Sobraram para os juízes julgarem na PGDL cerca de 36 mil processos.
Neste distrito judicial a orientação, para este ano, é no sentido de pelo menos 60 por cento dos casos tramitados ao MP serem tratados sem necessidade de julgamento. Em 2011 conseguiu-se atingir a meta de 50,9%.
PROCESSOS
SIMPLIFICAÇÃO
Criminalidade O uso de formas simplificadas na pequena e média criminalidade, como o arquivamento com dispensa de pena (art. 280º do Código Processo Penal), a suspensão provisória do processo (art. 281º CPP) e o processo sumaríssimo (art. 392º CPP) evitam o julgamento e trâmites de notificações nos serviços de apoio.
JUIZ
Decisão As formas simplificadas são aplicadas, sobretudo, na pequena criminalidade em que há flagrante delito, como é o caso dos condutores com uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2. O MP propõe ao arguido uma sanção. Se este aceitar e o juiz de instrução criminal também, o caso é encerrado.
Licínio Lima | Diário de Notícias | 02-04-2012
Comentários (18)
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Estabelece-se nesse ponto, como injunção, o «compromisso de não condução de veículos» (sic). Ora, se aqueles que actualmente são condenados numa pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados já fazem trinta por uma linha para evitar o seu cumprimento (pedidos de 2ªas vias de carta de condução, com indicação de extravio, etc.), sendo certo que continuarão certamente a conduzir, bem se vê que o compromitente daquela injunção vai ter comportamento muito mais correcto.
A tal acresce outro problema: aquele que violar a pena acessória aplicada em sede de sentença criminal (em processos sumários e abreviados ou em processo comum) ou de despacho proferido em sede de processo sumaríssimo, comete um crime de violação de proibições, nos termos do art. 353º CP. Já o compromitente da referida injunção pode violá-la à vontadinha que nenhum crime comete, sendo que o máximo que lhe pode acontecer é que a suspensão seja revogada.
Sendo juiz de um juízo criminal, em termos pessoais a circular é o melhor que me podiam fazer, pois diminui drasticamente o número de processos (sobretudo sumários) em que tenha de presidir ao julgamento, sendo certo que o grosso do trabalho até fica para o JIC. Agora em termos de Justiça, não vejo qualquer bondade na referida circular.
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Em perspectiva
A «medida» de Pinto Monteiro só peca por:
1) Tardia;
2) Complicada;
3) E fixação de metas a cumprir pelo MP, por comarca, em percentagem face às acusações pelo mesmo tipo de crime.
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ahhh, falta-lhe também autoridade, que este PG já não tem.
Cumps,
Tiburón
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Se a maioria dos arguidos que são fiscalizados dizem que foi azar por isso estas duas frases mataram-me
"...pela interiorização e consciencialização da conduta pelo arguido..."
"...injunção deve constituir um sacrifício verdadeiramente sentido por aquele..."
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Veremos, sabendo-se como a criminalidade rodoviária ligada ao consumo de álcool tem grande relevo nas estatísticas do crime em Portugal, com dezenas de sinistralizados e suas nefastas consequências sociais e económicas para o País.
Ver-se diariamente arguidos a saírem dos serviços do MP (e não do Tribunal) sem nunca estarem na presença de um juíz, tendo como "sanção" a entrega de uma quantia monetária a uma instituição e o "compromisso" perante o MP de não conduzirem, é um autêntico prémio ao infractor .
O que se está a generalizar para além dos crimes de condução com álcool ou sem habilitação legal, às centenas.
A soberania dos Tribunais não se negoceia, e nas suas instalações apenas pode ser imposta pelo seu titular, o juiz.
Se quiserem recorrer às formas de diversão apliquem-nas nos Julgados de Paz, deixando aos Tribunais o papel de julgar e aplicar penas, inequivocamente pelo titular do órgão de soberania, o juiz.
Eu concordo
Na minha comarca não se faz, ao contrário da violência doméstica, é considerado cum crime muito grave! Mas conheço uma comarca em que muitos desses processos são sujeitos a suspensão provisória com pelo menos, aplicação de uma injunção em numerário a uma IPSS ou similar e aplicação das regras de conduta proibição de condução durante determinado período e apresentação no posto da GNR da área de residência para soprar ao balão 2x por semana. E as pessoas cumprem! E funciona bem! E a verdade é que sentem condenadas na mesma apesar de não terem sido, efectivamente, condenadas!
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Tudo mudará quando um desses etilizados estropiar, amputar, paralizar ou matar alguém conhecido.
Por conhecido refiro-me a actor (lembram-se da outra, que fez aprovar o Código de Processo Penal dos Pequeninos?) ou político que apareça na televisão. Ou talvez um MP de alto gabarito.
Esta gente não tem medo de andar na estrada?
Esta gente não tem filhos, mulher, marido, pais, avós, netos?
Não gosta de os ver chegar a casa todos os dias sem que corram o risco de ser passados a ferro por um bêbado?
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Sempre fui contra a idiotice da suspensão provisória. Se cometeu um crime TEM DE SER CONDENADO. Ponto.
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Como a eficácia de uma medida ou pena se afere (nunca esquecer!) pelo seu efectivo cumprimento, para além do tal pagamento a uma instituição social (que não é o fim primordial do funcionamento dos tribunais penais, diga-se de passagem) pergunta-se::
- Como se apura o cumprimento da proibição de conduzir aplicada pelo MP?
Como se verifica, não estamos na presença nem de uma pena nem de uma sanção acessória, e o MP não pode apreender a carta de condução nem a pode reter nos seus serviços!
Assim, quedamo-nos num mero compromisso do arguido, não fiscalizável (colocar um polícia a segui-lo todo o dia?).
- Que eficácia no sopro no balão 2 x por semana? isto porque, a não se estar na presença de alguém que se encontre ébrio de manhã à noite, quem sopra no balão apresenta-se no posto policial locomovendo-se pelo seu pé sabendo de antemão (não existe efeito surpresa na detecção da condução) que para fazer o teste não podia ter ingerido álccol nas horas antecedentes.
Mais vale a conduta preencher o tipo de crime (+ de 1,20g/l) do que contraordenacional, e assim quanto mais beber mais ganha!
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É apenas mais uma medida apanágio deste sistema que protege o arguido em nome de vários lemas, um dos quais, moda destes tempos, a eficácia da justiça.
Quanto à aqui aventada apresentação na polícia para soprar o balão. O cumprimento desta medida basta-se com o soprar no balão? Se não for este absurdo, a partir de que taxa de alcoolémia se deve considerar violação da obrigação? 1,20g/l? Isto para um arguido que já sabe que vai fazer o cotrolo de alcoolémia no sangue e pode controlar o álcool que ingere até ao momento de soprar, que depois é sempre a abrir (é fazê-lo às 8h da manhã para sobrar mais tempo do dia para o regabofe)!
Mas mesmo assim, esta medida apenas serve para comprovar que o arguido ingeriu, ou não, bebidas alcoólicas até ao momento do sopro, o que ainda não é crime em Portugal!
Quando o que está em causa é a condução sob o efeito do álcool, e deste modo o que interessa saber é se o arguido continua a conduzir neste estado, o que não se alcança com tais medidas.
Em suma, que justiça esta que, no fundo, se parece bastar com a entrega de dinheiro (a mola real de tudo nos dias que correm...) a uma instituição, fazendo-se assim assistência social que cabe ao Estado noutros domínios que não o judicial, utilizando embora a referência "Tribunal" no âmbito de um acordo efectuado nas suas instalações, mas na verdade firmado nos serviços do MP que não se podem confundir com os do Tribunal, órgão de soberania?
Uma falácia completa.
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Enfim, viva o crime do alcool, sem carta, furto nos supermercados, lojas , fiscais (com a chamada dispensa de pena) etc que as IPSS agradecem os donativos monetários.
Já agora sugiro que começem a pensar na suspensão para os homicidios qualifiicados.
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Defendi um caso em que requeri junto do MªPº a suspensão do processo, requerimento esse que não foi atendido por se entender estar em causa razões de prevenção geral. Requerida abertura da Instrução, o Sr. Juíz, muito bem e em conformidade com o espirito da Lei, suspendeu provisóriamente o processo, aduzindo, pelo contrário e para o efeito inexigência de razões de prevenção especial.
Isto para dizer que a ultima revisão do C.P.Penal em conformidade com as Laeis de Politica Criminal já vai nesse sentido.
Jorge Bastos tem razão
Está tudo na lei.
A Circular é para lembrar aos MPs rebeldes que devem cumprir a lei.
O que lhe falta (à Circular) é a sanção para quem não fizer o que manda a leizita.
Resposta
1) quanto à "proibição" de conduzir, é óbvio que o arguido entrega a carta nos serviços do MP! Naturalmente a carta não é apreendida porque o MP não é um Tribunal. No entanto, o arguido entrega-a voluntariamente, na medida em que aceita as exigências impostas pelo MP para a suspensão provisória. Se não quiser entregar a carta, não entrega. O MP não aceita a spp e segue para julgamento. Isto porque só há lugar a suspensão provisória se arguido, MP e JIC concordarem com os seus termos, não é verdade? Não expliquei essa parte porque me pareceu óbvio!
2) quanto a soprar ao balão, por acaso sempre achei a imposição (que creio ser regra nessa comarca) meio obtusa. Não apenas porque impõe conduta mais gravosa que a condenação, mas também porque não será de supor que alguém que é primário seja álcoólico. Ainda assim, gostaria de explicar que um dos dias tem que ser ao sábado (por razões ponderosas à sexta) e a ida ao posto tem que ser feita depois das 21h.
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Afinal, nessa matéria, o MP já não tem reservas nem teorias quanto às especiais necessidades de prevenção geral!
Com sorte, vou levando a coisa com uma suspensão por ofensa à integridade física, outra por ameaça, outra por injúrias e mais uma por violência doméstica!
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Não tem consagração no CPP a figura em questão.
A criatividade do MP está ao rubro...mas aqui a Circular é cuidadosa, ao mencionar expressamente "compromisso"!
Quero ver um dia alguém nessas circunstâncias a conduzir e a explicar ao polícia que o detectou que conduz sem carta, não porque não seja seu titular, não porque foi apreendida à ordem de determinado processo, mas porque "ficou no MP", e a ser detido por condução sem habilitação legal ou desobediência, por o polícia desconhecer a "figura" invocada!
Detenção ilegal, ou não?
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