José Lebre de Freitas - "(...) No texto de novo posto à discussão pública – o aprovado em 22/11 como proposta de lei não é ainda conhecido – são pela enésima vez feitas alterações que deixarão tudo substancialmente na mesma. Com um preço grave a pagar: o da reaprendizagem da ordenação do código".
Entre as reformas apregoadas pelo Ministério da Justiça (MJ) para consolo da troika está a do Código do Processo Civil (CPC). Os tribunais não funcionam, os atrasos aumentam, as execuções terminam sem resultado, os credores exasperam-se. Embora outras sejam as causas (juízes em roda livre, depósitos bancários inatingíveis, legislação do IVA incongruente), o MJ prefere dizer que o mal é da lei processual, das suas garantias, dos prazos e abusos das partes.
No texto de novo posto à discussão pública – o aprovado em 22/11 como proposta de lei não é ainda conhecido – são pela enésima vez feitas alterações que deixarão tudo substancialmente na mesma. Com um preço grave a pagar: o da reaprendizagem da ordenação do código. O CPC de 1961 teve em 1995-1996 uma revisão que, embora apressada por timings eleitorais, foi profunda: foram simplificados os atos do procedimento e respeitadas as exigências do processo equitativo, tal como definidas pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem e pela nossa Constituição. Mudou-se a filosofia da lei processual e adaptou-se o sistema, confiando na renovação da mentalidade dos operadores judiciários; mas preferiu-se incluir no velho código as novas normas a elaborar um código formalmente novo, por se entender que a perturbação a tal inerente só se justifica quando, como em França, um sistema radicalmente novo emerja dum longo trabalho de elaboração, não sujeito à duração efémera de curtos governos.
Seguiram-se a reforma da ação executiva (2003) e dos recursos (2007), áreas cuja revisão tinha ficado incompleta, e também remendos vários ao sabor de cada MJ, as mais das vezes irrefletidos, quando não disparatados. Nova reforma apenas se justificava para, sem a promessa demagógica de um novo paradigma, reintroduzir no código coerência e rigor, aproveitando para agilizar algumas soluções. O anteprojeto da comissão escolhida, posto à discussão pública no início deste ano, correspondia a esse escopo, ainda que em desarmonia com a exposição de motivos, que apontava as partes como a causa principal da lentidão dos processos e enfaticamente anunciava o fim de vícios e atrasos. De entre as suas melhores soluções são de realçar a admissão da inversão do contencioso após o procedimento cautelar prévio, a substituição da base instrutória pelo enunciado dos temas da prova, a admissão das declarações da parte a seu pedido (embora sem o cuidado elementar de expressamente assegurar o princípio da igualdade), o acentuar do poder judicial de flexibilização do processo, a revitalização da proibição da decisão-surpresa e a supressão de algumas das extravagâncias introduzidas na acção executiva em 2008, nomeadamente no que respeita aos poderes do agente de execução e à sua sujeição ao exequente, em perigosa rutura de imparcialidade. Surpreendentemente, optou-se por uma forma única de processo declarativo, mais simples do que a ordinária, mas mais complexa do que a forma atual das ações de menor valor. É um modo indireto de obrigar o juiz, solenemente incumbido do dever de gestão processual, a adequar a forma do processo ao caso concreto. Ver-se-á se a necessidade desta intervenção não resultará em mais atrasos do que a direta estatuição, pela lei, duma forma simples para os casos simples, que são a maioria; e se a insegurança quanto à forma do processo não irá violar garantias fundamentais.
Colhidas sugestões, de novo se alterou a proposta. Foram, por exemplo, resolvidas algumas ambiguidades sobre os factos objeto da alegação e da prova, admitiu-se que o juiz, em casos justificados, permita mais de dez testemunhas por cada parte e restringiu-se a possibilidade de fundar as decisões em simples adesão aos fundamentos alegados pelas partes; mas manteve-se, entre outras propostas criticáveis, a de reduzir a competência internacional dos tribunais portugueses e a de vedar o recurso das decisões sobre adequação formal e gestão processual, recuou-se no regime de substituição do agente de execução, suprimiu-se processos especiais que fazem falta, piorou-se a redação de vários artigos, suscitando dúvidas interpretativas, deslocou-se a sede de algumas matérias (a mais incompreensível a da instrução do processo, destacada para a parte geral) e renumerou-se os artigos do código, de tal modo que poucos conservam o número anterior. Esta última opção só pode ter por fim fazer crer que vamos ter um código novo, o que é requintada mentira. A sistematização das matérias pouco foi alterada e, mantendo-se intacta a maioria das normas, a sua passagem para outros artigos é perturbadora: perder-se-á tempo a localizá-las; terá de se fazer a correspondência entre artigos, ao ler uma monografia, um estudo ou uma sentença anterior à mudança; os autores de lições e manuais ocupar-se-ão a alterar as citações da lei; bases de dados organizadas por artigos terão de ser adaptadas. Não parece que esta seja a melhor maneira de dar trabalho aos cidadãos. Não se tratará antes de profunda indiferença (ou desprezo) do legislador pelo trabalho alheio?
O texto vai ser sujeito à Assembleia da República, que talvez tenha o bom senso de reparar, a tempo, o erro da proposta do Governo.
José Lebre de Freitas | Público | 25-11-2012
Comentários (11)
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Roda livre sim, mas em regime de escravatura
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Quanto aos "juízes em roda livre", vê-se logo que é advogado, pois os principais culpados da morosidade (com articulados e requerimentos asnáticos e expedientes dilatórios, e recursozinhos por tudo e por nada) nem constam do elenco dos "culpados"..
Quanto à "inocência da lei", vê-se logo que é o "pai" daquela reforma idiota de 95-96 cuja cereja no topo do bolo são os "convites ao aperfeiçoamento", ou seja, o sistema do juiz paizinho das partes a que se chamou hipocritamente "entrega da condução do processo ao juiz".
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nem a reforma de 97 foi boa, nem este é um cpc novo.
é o que temos, porque já não se valorizam os grandes professores de direito, os juizes superiores e os advogados sabedores não mercenários.
é o que temos numa sociedade pobrezinha e cada vez mais amoral.
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Mas que trolha me saiu o homem!!!
Então ele também faz parte da massa dos coitadinhos dos ignorantes que sem pejo dizem disparates sem qualquer pudor?!?
Se continua assim temos bastonário, ai temos sim senhor...
Não vai ao cerne da coisa
Se está contra é porque terá algo de positivo
O pai do caos, portanto e um dos principais responsáveis pelos atrasos da justiça cível em Portugal.
E continua sem vergonha.
Diz mal?
Então é porque a mudança pode vir a ser positiva.
Um desejo: Que o articulista, juntamente com as suas reformas, se reforme. De vez.
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