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REVISTA DE 2012

Moura Ramos: Nomeações partidárias fragilizam TC

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Prestes a sair da presidência do TC, Moura Ramos avisa que os contratos em PPP e as ‘rendas empresariais’ também não são intocáveis – como não o foram os direitos individuais.‘Após a troika não há justificação para tanta austeridade’.

- Tendo em conta a sentença do TC que permitiu os cortes de salários do Estado em 2011, é de prever que o OE para 2012 seja viabilizado?
- A situação é diferente. A decisão não será a pura extensão da do ano anterior.

- Há uma fasquia máxima de austeridade, como vulgarmente se ouve dizer?
- O tribunal não utiliza nenhuma fasquia. O tribunal diz ‘a situação é esta, esta situação não põe em causa os princípios constitucionais que foram convocados’. O TC terá de reponderar de novo a situação face ao novo processo.

- 0 processo de fiscalização sucessiva do OE de 2012 está a andar ou espera pela nomeação dos novos juizes?
- Não faz sentido apresentar o projecto de decisão para discussão, quando está em vias a alteração da composição do tribunal. Deverá ser decidido pelo meu sucessor. Espero que em Junho.

- O primeiro-ministro admitiu que a reposição do pagamento de subsídios de férias e de Natal possa acontecer depois do fim do plano da troika. O TC não precisa de um quadro excepcional, como o programa da troika, para admitir medidas excepcionais?
- O programa de assistência a Portugal faz parte do contexto em que o TC é chamado a aplicar a Constituição, embora não lhe mude o sentido. Quando acabar este plano, isso significa (e falo agora como cidadão que procura compreender as coisas públicas) que a nossa economia melhorou, que a excepcionalidade que vivemos se atenuou muito. Deixará de haver justificação para medidas tão fortes como as que hoje sofremos.

- A inclusão na Constituição da chamada ‘regra de ouro’ (o limite ao endividamento e ao défice) coloca-lhe reservas?
- Lembro-me de há dois anos, numa entrevista ao SOL, responder que não via vantagens na inserção da ‘regra de ouro’ na Constituição. Hoje a questão é diferente, por isto: Portugal assinou um tratado internacional no qual se obriga a introduzir essa regra na sua ordem jurídica, e a fazê-lo com um carácter permanente e estabilidade mínima face à alteração das maiorias parlamentares. A regra tem de ter permanência e estabilidade. O tratado não obriga à inserção da ‘regra de ouro’ na Constituição, mas obriga a que tenha um valor superior ao da legalidade.

- Esses requisitos implicam a necessidade de uma maioria parlamentar reforçada?
- Implicam pelo menos que a maioria comum não a possa alterar.

- A Lei de Enquadramento Orçamental, como está desenhada, cumpre esse requisito?
- A Lei de Enquadramento Orçamental Pode ser alterada por maioria simples. Parece-me que não é suficiente.

- A crise pode justificar que o Estado imponha também cortes e alterações contratuais desfavoráveis às empresas com quem tem parcerias público-privadas (PPP)? Isto pode chegar ao TC e pôr-se em termos multo parecidos como o caso das pensões e dos subsídios?
- Numa situação de excepcionalidade, se as situações individuais estão afectadas, as outras relações também o podem ser. Por exemplo, rendas empresariais, contratos que gozam de uma certa estabilidade, estão sujeitos à mesma possibilidade de serem afectados. Faz sentido actuar noutras situações, se isso for indispensável.

- Os direitos sociais, como o direito à saúde, à habitação, são entendidos por muitos como ‘letra morta’. Ainda pesam nas decisões do TC?
- É evidente que sim. A consagração de um direito social é algo do qual o tribunal tira consequências – ou não estaria a cumprir a Constituição. Agora, é evidente que os direitos sociais estão sujeitos à medida do possível.

- Em alturas de crise estes direitos são muito afectados.
- Em alturas de crise, a concretização desses direitos é abalada. Mas não é só a crise, há alterações das circunstâncias que obrigam a adaptações. Por exemplo, a idade da reforma tem de ser pensada para uma sociedade envelhecida. Quando o número dos que contribuem para pagar as reformas está a diminuir face àqueles que têm a expectativa de lhe aceder, o momento da reforma poderá ter de ser colocado mais tarde. Temos de adaptar os princípios, os textos da Constituição, à realidade. Se a sociedade esquecer isso, não está a comportar-se normalmente.

- O TC tem os poderes que devia ter?
- Tem de certeza competências a mais e que lhe dificultam o exercício fundamental que é o controlo da constitucionalidade. As competências eleitorais podiam não estar aqui, por exemplo. E o sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade também merecia ser repensado. Talvez faça sentido um sistema em que o juiz do processo é que teria a decisão sobre o recurso e não as partes ou o Ministério Público, como acontece noutros países da Europa.

- Qual seria a vantagem para o TC?
- Diminuiria o número de recursos. Quando é o particular que vem aqui, vem muitas vezes para obter mais tempo. Se for o juiz a colocar a questão, os recursos puramente dilatórios não chegariam cá.

- No controlo das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, feito pelo TC com a assessoria da Entidade das Contas, o sistema funciona melhor?
- O tribunal está a apreciar as contas com um momento de proximidade maior face à verificação dos actos eleitorais. Mas nem tudo é positivo. Houve alterações no quadro legal que vieram tornar mais complicada a actuação do Tribunal. Por exemplo, o prazo para a apresentação das contas eleitorais ao Tribunal foi diferido. No futuro, só mais tarde é que se poderá proceder à apreciação das contas, com todos os inconvenientes. A alteração legislativa de 2010 representa um retrocesso claro no que toca ao sistema de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas.

- Há maior circulação de dinheiro vivo que dificulta o controlo dos movimentos financeiros nos partidos…
- Sim, exactamente. E a lei teve outra mudança negativa: prevê que, além das contas dos partidos, o TC venha a apreciar as contas dos grupos parlamentares. Ora, os grupos parlamentares fazem parte da Assembleia da República e das assembleias legislativas regionais – e para apreciar as despesas das entidades públicas existe o Tribunal de Contas.

- Está a chegar ao final do seu mandato. O que destaca de positivo?
- Bem, algo de significativo foi a criação de uma organização de tribunais constitucionais da lusofonia, a Conferência das Jurisdições Constitucionais dos Países de Língua Portuguesa, nascida há três anos. Fizemos o primeiro encontro em Lisboa, em 2010, e vamos realizar este ano em Maputo um segundo. E no ano passado organizámos um seminário em Angola sobre o acesso dos particulares à justiça constitucional, um tema muito interessante. Além da frutuosa troca de experiências jurídicas, esta organização enquadra-se também na linha de política externa que privilegia a promoção e defesa da língua portuguesa.

- E qual foi a decisão mais difícil que teve que tomar?
- Houve muitas decisões complexas. Claro que as questões relativas aos processos orçamentais são das mais difíceis, pelo seu impacto. Todos os processos de fiscalização preventiva são difíceis porque são processos em que o tribunal é chamado a intervir com o debate político ainda muito quente. A opinião pública tende a pensar que o debate que se faz aqui é a continuação do anterior – e não é, é completamente diferente.

- Tem pena de já não estar no TC para decidir sobre o destino do OE para 2012?
- Não me atribuo suficiente relevância para pensar que a minha participação num qualquer momento fosse decisiva. E espero estar a fazer algo que me realize tanto no plano profissional.

- Qual vai ser o seu futuro?
- Será a continuação de um passado que foi interrompido quando assumi funções judiciais, que é o ensino universitário.

- O que deseja ao seu sucessor?
- As maiores felicidades e que tenha as melhores condições possíveis numa missão que é difícil mas que vale a pena ser levada a cabo. Espero que contribua para um tribunal constitucional forte e respeitado.

‘O que aconteceu fragiliza o TC
‘Os juizes que chegam ao TC têm uma carreira na magistratura – é assim que deve ser’, avisa o presidente do tribunal.

- Pela primeira vez, os partidos (PS, PSD e CDS) fizeram uma escolha individual nos novos juizes do Tribunal Constitucional (TC). A associação ‘Juiz-partido’ preocupa-o?
- Preocupa-me porque não é devida e foi assumida indevidamente. Aquilo que se passou, de cada candidatura ser associada a um partido, é claramente contra a lei e não deixa ficar bem a Assembleia da República. É algo inédito. Os juizes devem ser apresentados em lista completa.

- Esta nomeação põe em causa o prestigio do TC?
- As pessoas são levadas a pensar que os juizes estão aqui a representar partidos. Obviamente que isso não pode ser assim e continuará a não ser!

- Numa altura de crise, os políticos deviam ter um cuidado especial com o TC, que tem sido chamado a legitimar medidas excepcionais de austeridade?
- É mais uma razão para dizer que aquilo que se passou não devia ter ocorrido. O que aconteceu fragiliza o tribunal.

- Vê alguma vantagem em todos os partidos parlamentares serem envolvidos no processo?
- A composição do tribunal deve ser tão abrangente quanto as várias correntes de opinião política na sociedade. Qualquer fechamento no espectro é negativo.

- Está em causa a nomeação de juizes de carreira e tem-se discutido multo o que é um juiz de carreira. Há uma alteração de padrão de exigência?
- Não posso fazer comparações. O que posso dizer é que os juizes de outros tribunais que têm estado no TC são juizes com uma carreira na magistratura. Exerceram a sua profissão noutros tribunais.

- E é assim que deve ser?
- E é assim que deve ser. Porque o objectivo da lei e da Constituição é que o TC não fique cortado dos tribunais comuns. Para cumprir o seu objectivo, os juizes dos outros tribunais têm de se rever nestes magistrados.

- Os dois juizes de carreira neste processo de substituição têm de ser mesmo eleitos pela AR? Houve um responsável do PS que deu a entender que podia ser cooptado pelo TC.
- Os juizes que cá estão foram eleitos pela AR e a sua substituição tem de se operar nos mesmos termos.

- A vice-presidente do PSD, Teresa Leal Coelho, disse que contava que a nova composição do tribunal ajudasse a reverter o chumbo da lei do enriquecimento ilícito. Esta declaração vai além do que é admissível?
- Considero-a manifestamente infeliz. Não devia ter sido proferida. O TC considerou o diploma do enriquecimento ilícito contrário à Constituição. A AR tem todo o direito de o reformular, mas tendo em conta o acórdão do tribunal e não a perspectiva de que o tribunal possa ser diferente no momento em que aparecer cá o novo diploma.

Manuel Agostinho Magalhães | Sol | 27-04-2012

Comentários (3)


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Olha para este! Então quem o colocou (é o termo) no TC? E quem o nomeou (não me refiro à forma, pois quem fez o triste espectáculo de transportar os votos foram os membros do TC) presidente da coisa? Não foram os partidos?
desembargando , 27 Abril 2012
...
Demorou uns anos largos a compreender que a nomeação partidária retira credibilidade ao tribunal, mas enfim, mais vale tarde que nunca.
Acho curioso ouvi-lo agora a dizer que as opções governamentais não são intocáveis.
Óptimo ! Eu, que tinha algumas dúvidas, fico mais descansado. smilies/smiley.gif
FBC , 28 Abril 2012
...
E as vezes que eu lhe ouvi dizer - no exercício de funções e dentro das paredes do TC - que "não sou presidente de nada" - porque o que queria era que avultasse a sua "qualidade" de Professor Doutor de Coimbra (Oh! Coimbra!)?????
Tem tanto encanto na hora da despedida....
Verde às riscas , 08 Maio 2012

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