Dos 118 homicídios cometidos em 2012, 63 tiveram familiares como protagonistas • Cinco pais e 18 padrastos detidos por abusarem sexualmente de filhos e enteados. Cerca de 54% dos homicídios foram cometidos neste ano em Portugal em ambiente familiar • Nos crimes sexuais, 23 dos 139 detidos pela PJ são pais (5) e padrastos (18)
Estatística cruel. Este ano, mais de metade dos homicídios foram cometidos no seio familiar. E com crimes muito violentos, tais como o do monstro de Beja ou do aristocrata de Évora. Efeito da crise ou da ganância?
A realidade, crua e dura, não precisa de um Truman Capote para reescrever um drama sanguinário como o seu "A sangue frio". Já tinha havido oito homicídios em janeiro quando a 14 fevereiro (mês em que houve mais assaltos ao ouro: 28), em Beja, Francisco Esperança, ex-bancário, mostrou como a realidade esconde o mais tormentoso homicida: matou à catanada a mulher, a filha e a neta, em casa. Esperança suicidou-se na cadeia.
Março veio com mais oito homicídios, sete dos quais num cenário de violência conjugal, entre ele o do striper Alcino, 26 anos, que matou Danubia, de 20, em Queluz, e o de João Pinto que matou a mulher Maria de Fátima à martelada, em Avintes. Abril teve seis homicídios e, em Évora, o país voltou a ser surpreendido por outro crime invulgar: o aristocrata Guilherme Bívar matou à facada a irmã Ana, 52 anos, subdiretora do Igespar, mulher do deputado do PSD António Proa, e quis matar outras duas. Por causa da herança da família.
Sintoma da crise ou não, enquanto o país era atravessado por assaltos diários a idosos, e quase diários a ourivesarias e lojas de ouro, foi de novo o dinheiro, a inveja ou a ganância a levar Joaquim Gomes, 53 anos, a matar o irmão e a cunhada, em Mata Mourisca, Pombal, em 5 de setembro. E voltou o dinheiro a ser a causa do crime cometido em Queluz, 13 de agosto, na Rua de Timor, onde o homicida incendiou o elevador e matou a cunhada, a sobrinha e um guarda-costas. Contestava negócios de duas clínicas onde seria sócio da cunhada.
O dinheiro terá levado ainda Gaspar Roby, 69 anos, outro aristocrata, de Braga, a ser assassinado em casa pelo afilhado, de 20 anos, a 26 de outubro. Estes são alguns dos 118 homicídios (mais um que em 2011) registados pelo JN, numa estatística onde não são contados crimes com vítimas que terão morrido dias após os atos violentos. Mas vincam com rigor que houve, em 2012, mais crimes violentos em família.
Esta evidência será maior com o de Castro Marim, a 22 de agosto, onde a dentista brasileira Luciana Garcia, de 42 anos, na sua vivenda algarvia com piscina, regou com gasolina o quarto dos filhos (rapaz de 13 anos e menina de 11) e matou-se com eles. Há dias, em Alenquer, Keli Oliveira fugiu depois de também ter matado os dois filhos pelo fogo. Em ambos os crimes, o mesmo palco: a família.
E outro crime com um suspeito invulgar mancha a serenidade familiar, em 21 de novembro: pela primeira vez, uma investigadora da PJ do Porto (Ana Saltão), foi detida por suspeita de matar a avó do marido, com 13 tiros, em Coimbra. A juntar a isto, a violência doméstica. Se registamos 22 homicídios no âmbito da violência familiar, os homicídios num cenário de violência conjugal foram 41 (32 mulheres e nove homens).
"Vai aumentar o crime"
"É verdade". Há um aumento de criminalidade violenta nas famílias", admite, ao JN, Rui Rangel, presidente da Associação Juízes para a Cidadania, que defende alteração do Código Penal com uma nova graduação das penas (aumentar a pena máxima até 50 anos) para tentar suster a visível onda de criminalidade. "Estamos a potenciar uma sociedade cada vez mais violenta, com estas ideias materialistas e neoliberais em que só conta o lucro e não as pessoas. Isto potencia o crime e, por isso, admito que vai aumentar este tipo de crime dentro das famílias. E quanto maior for a crise, maior será a violência".
Crise alimenta o crime
A crise alimenta o crime, diz César Nogueira, presidente da Associação de Profissionais da Guarda. "Pai vê o filho passar fome e comete um crime para lhe dar de comer", afirma. "Por isso, na GNR, tememos que, a manter-se a crise, haverá mais crimes em 2013".
Violência doméstica
Outro sintoma da crise diz César Nogueira: "A GNR está a ser cada vez mais chamada para casos de violência doméstica em famílias sem emprego e sem dinheiro".
"Penas são leves"
Para combater a criminalidade, César Nogueira também deseja alteração ao Código Penal: "As penas são leves. Quem mata apanha até 25 anos de cadeia, mas sai ao fim de dez".
Vítor Pinto Basto | Jornal de Notícias | 31-12-2012
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