Rui Rangel - Digam-me qual é o sistema que aguenta tantas reformas, tantas alterações, sem se dar tempo a que as leis respirem, repousem, se acomodem e consolidem.
Os governos de José Sócrates falharam com o País, com o Povo e com a Justiça. Na Justiça a tragédia foi completa. Legislou-se em excesso, de forma errada, com leis mal pensadas e pior executadas. Com reformas das leis criminais, a reboque de casos concretos e com uma crispação e um confronto contra os juízes de que não há memória. A única reforma que valeu a pena foi a do novo modelo de organização judiciária, que, apesar de só ter sido implementado em três grandes comarcas, ia no bom caminho. Os constrangimentos orçamentais impediram a sua completa implementação por todo o território nacional.
Este novo modelo de gestão e de reorganização do mapa judiciário merecia continuidade, alterando ou rectificando o que fosse de aperfeiçoar. Nunca uma radical mudança de génese, de orientação e de rumo estratégico, como, agora, é proposto pelo actual governo. Gastaram-se milhões de euros em estudos, em redes informáticas e em sistemas que, agora, vão ser deitados para o caixote do lixo.
Digam-me qual é o sistema que aguenta tantas reformas, tantas alterações, sem se dar tempo a que as leis respirem, repousem, se acomodem e consolidem.
É corrente definir um Estado como "um Governo, um Povo, um Território". É pacífica a forma democrática de Governo e o Povo, apesar de algumas questões de coesão social. Mas já não é pacífico o modo de organização do nosso Território.
O novo modelo do mapa judiciário tem implicações directas nas questões do ordenamento do território. Apesar do território nacional estar retalhado em mapas diversos, com disfunções graves provocadas pela chamada "litoralização do País", ninguém pode continuar a fomentar políticas que aumentem, cada vez mais, a desertificação do interior. A grande malha da população está concentrada sobre o litoral, daí que o sistema judicial tenha um papel decisivo na criação de novas centralidades e na proximidade da democracia.
Abandonar o interior do País, deixando as populações sem os serviços da governação, onde se encontram os tribunais, não é o caminho.
A verdadeira causa da redefinição do mapa judiciário não está, apenas, no desajustamento do volume processual. Está também num adequado ordenamento do território e no não abandono das populações. A proximidade da Justiça é outro decisivo elemento a ter em conta na vida das pessoas e na qualidade da democracia.
Se estes elementos não forem considerados, com bom senso e proporcionalidade, a Justiça e a equidade de nada valem. O argumento economicista não é o único válido, sob pena de passarmos a ter uma Justiça só para ricos.
Rui Rangel | Correio da Manhã | 02-02-2012
Comentários (8)
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A JUSTIÇA DOS RICAÇOS
A "justiça" para pobres e para ricos "foi chão que deu uvas..."
Basta atentar na "imensidão" da taxa de justiça num simples divórcio sem consentimento...
And so on...
Nestas circunstâncias, é, realmente, indiferente onde é que estão e onde é que deixam de estar os edifícios dos tribunais.
Na prática, neles só entram quem tem dinheiro para gastar: em taxas de justiça, em honorários de advogados, em honorários de agentes de execução, etc...
Os "pobres", quando recebem qualquer citação, ficam, em regra, com a "papelada" a tremer nas mãos, pois não têm recursos para contestar e, muito menos, para recorrer se a decisão de primeira instância lhes for desfavorável.
Salvo o devido respeito, tudo o resto são "cantigas".
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Quem é ele, quem é ?
Não sabem ?
Eu dou uma ajuda: é aquele que marinho pinto (outro ícone da Justiça portuguesa actual) enxovalha regular e semanalmente num programa de televisão.
E já agora, qual é o País pretensamente civilizado em que isto pode suceder com total impunidade, por inacção do orgão disciplinar competente ?
Também não sabem ?
Eu ajudo:
É um país periférico, em estado de falência técnica, e intervencionado pelo FMI
Pensando bem, a falência não é só económica e financeira. É pior.
Parabéns a Hannibal Lecter
Apenas para realçar o que escreveu na parte final: " E já agora, qual é o País pretensamente civilizado em que isto pode suceder com total impunidade, por inacção do orgão disciplinar competente ?".
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A/C Dr. Rangel
apesar de não concordar com a opinião que vem acima expressa, noutras circunstâncias isso não me incomodaria nada. O que há de mais normal é dois, três, dez juristas discordarem uns dos outras acerca da mesma questão da política de justiça. Ocorre que V.Exa. vem sendo semanalmente enxovalhado na Tv e isso contamina toda uma classe, que nunca lhe perdoará. Sugiro-lhe, pois, com o devido respeito, um ato de higiene: demita-se. Demita-se daquelas funções indecorosas que desempenha para a SIC.
Ah e quanto ao mapa judiciário: vão manter-se todos os tribunais onde há pessoas.
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Creio que, no caso do articulista, será mais "um programa de televisão, uma resposta "em abstrato" pois está sujeito a dever de reserva, um microfone"...




