Rui Rangel - A justiça criminal tão depressa quer andar rápido, como quer andar devagar. Em inquéritos importantes, com gente ilustre do nosso burgo, anda muito devagar, com eficácia e resultados pouco produtivos. Em inquéritos sem relevância processual ou social, preocupa-se demais, perde tempo e chega a conclusões a que não devia chegar.
Repare-se nestas flagrantes contradições: pretende-se introduzir, e bem, o regime jurídico de negociação da pena por via da confissão do arguido da prática do crime, nos casos de pequena e média criminalidade, para combater a morosidade da justiça; o julgamento sumário e imediato, o que se percebe, em casos de detenção em flagrante delito; prazos peremptórios para a conclusão dos inquéritos, ainda que o Ministério Público não goste. O relevante é que o cidadão, para o qual a justiça existe, concorda com a medida que é sensata e de bom senso.
Por outro lado preocupa-se, investiga, perde tempo e gasta dinheiro com estes casos. Vejam o ridículo: abre um inquérito por furto de 77 cêntimos de feijão-verde num supermercado. O pobre do homem foi apanhado em flagrante delito, ao tentar passar numa caixa com uma embalagem de feijão-verde escondida; inquérito contra cidadão que não pagou três gelados no valor de 2,40 €; sem-abrigo furta chocolates no valor de 14,34 € e vai ser julgado. Este processo dura há ano e meio e terá custos muito superiores ao valor do crime (a PSP, quando é preciso notificá-lo, tem de andar pelas ruas portuenses à sua procura); uma reformada, de 76 anos, foi julgada por furto de um creme de beleza no valor de 3,99 €. Este modelo de justiça criminal, com leis que obrigam a investigar tudo, não é para este século nem para esta sociedade que até faz parte da União de Estados modernos com leis mais adequadas e mais civilizadas.
O princípio da legalidade, que obriga a investigar tudo o que é participado, tem de ser substituído, no ordenamento jurídico-penal, pelo princípio da oportunidade, com apertado controlo jurisdicional da actividade investigatória, quer a realizada pelas polícias, quer a efectuada pelo MP. O despacho de arquivamento ordenado pelo MP tem de passar pelo crivo do controlo jurisdicional. O MP também não gosta, mas paciência, a transparência e os direitos das pessoas estão acima de vontades corporativas.
E depois não querem que se diga que existe uma justiça para ricos e uma justiça para pobres. Estas bagatelas jurídicas nem sequer deviam constituir crime. Quem vive na rua e furta para comer deveria ser castigado com a possibilidade de arranjar um emprego. E isto não se chama demagogia, mas sim um Estado que existe, que olhe e que proteja os mais fracos.
Rui Rangel (Juiz Desembargador) | Correio da Manhã | 26-01-2012
Comentários (6)
Exibir/Esconder comentários
...
Permite-se dizer que alguns inquéritos chegam a conclusões a que não deviam chegar. Porque o refere? Como o sabe? Pelo que vê na TV? Pelo que dizem os colegas comentadores? Pelo conhecimento dos processos em si é que não é, certamente.
Será que o controle dos juízes que defende das decisões do MP seria deste género?
Imagine-se a situação: O MP arquiva um inquérito por falta de indícios, mas os jornalistas ficam muito chocados porque «está-se mesmo a ver» que houve crime... Ora, assim sendo, o juiz-controlador não permite o arquivamento... É isto que pretende?
Ou melhor (pior), o juiz acusa mesmo! E lá se vai a independência...
Parece-me que o Senhor Desembargador-Comentador deveria dedicar-se mais à sua profissão, ao invés, por exemplo, de andar a servir de muleta ao Senhor Bastonário num programa de TV.
...
...
ad latere
E se o forem, serão pagos à linha ou pelo valor técnico ou literário que incorporam ?
Neste segundo caso, não haverá problemas. No primeiro caso, é matéria disciplinar.
...
...
Só me apetece citar o que o Rei de Espanha disse a um conhecido inimputável sul-americano com ar amacacado...