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REVISTA DE 2012

À beira do inimaginável

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Rui Costa Pinto. - Passos Coelho continua a fazer orelhas moucas à revelação dos gastos com recurso a cartão de crédito, enquanto apregoa a necessidade de rigor para os outros. A situação económica e financeira tem permitido ao governo e à maioria PSD/CDS-PP impor medidas excepcionais no limite da legalidade. Em parte serão justificadas pelos tempos de emergência, mas importa saber quais são os limites da governação que parece cada vez mais balizada por uma espécie de estado de sítio, desde já levantando a questão que se impõe: o primeiro-ministro e o governo estarão acima da lei e dos tribunais? 

A resposta formal é não, mas a percepção é contrária, tendo em conta que Pedro Passos Coelho e outros membros do governo ainda não respeitaram uma dupla decisão do Supremo Tribunal Administrativo (7 de Dezembro de 2011 e 24 de Janeiro de 2012) que obriga à disponibilização de documentos relativos às despesas e subsídios auferidos pelos elementos dos gabinetes governamentais no exercício de funções. 
 
Ambas as decisões judiciais, que resultam de uma acção interposta pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses, honram o exercício dos direitos de cidadania e os deveres da administração. E os magistrados até vão mais longe, com base no direito constitucional dos cidadãos à informação. Isto é, a partir de agora, por exemplo, um qualquer jornalista pode escrutinar a actividade do governo, exigindo ao primeiro-ministro, a um ministro ou a qualquer outro elemento de um gabinete governamental que revele, detalhadamente, como, quando e com que fundamento gastou o dinheiro dos contribuintes. 
 
As duas decisões corroboram também o alerta da auditoria aos gabinetes governamentais levada a cabo pelo Tribunal de Contas (Relatório n.o 13/2007 – 2.a Secção): “Para além das componentes remuneratórias atrás referidas, encontram-se ainda atribuídos ao pessoal dos gabinetes outros benefícios suplementares para os quais não existe um quadro legal que regulamente a sua atribuição.” 
 
Não obstante a recomendação ignorada e as duas decisões fundamentadas de um tribunal superior, Passos Coelho continua a fazer orelhas moucas à revelação dos gastos com recurso a cartão de crédito, ao uso de viaturas e telefones móvel e fixo, enquanto vai apregoando aos sete ventos a necessidade de disciplina e rigor para os outros. Ou seja, são exigidos sacrifícios máximos aos portugueses e disciplina financeira férrea à administração e às empresas do sector público, mas o regabofe despesista nos gabinetes dos titulares do poder executivo continua no maior e mais injustificado segredo. 
 
O primeiro-ministro passou a poder evitar os deputados quando chamado vinculativamente a uma comissão parlamentar, respaldado na interpretação regimental de Assunção Esteves, presidente da Assembleia da República, ratificada em plenário pela maioria. Mas só faltava que tentasse escapar às decisões judiciais com base no silêncio, num expediente processual ou até através da alteração da lei in extremis para tentar acautelar a interposição legítima de queixas-crime por encobrimento ou desobediência. 
 
A manter-se esta incompreensível recusa de ceder a documentação exigida, com particular destaque para Vítor Gaspar, ministro das Finanças, estamos à beira de um braço-de-ferro inimaginável, que põe em crise a separação de poderes. 
 
Para quem ambiciona afirmar a imagem de rigor nas despesas do Estado não há qualquer margem de manobra, pois já não se trata apenas da prestação de contas política. A não ser que se pretenda liquidar a réstia de transparência na governação, escondendo deliberadamente aos portugueses a realidade dos gastos nos gabinetes governamentais.

Rui Costa Pinto | ionline | 11-02-2012

Comentários (6)


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Caros MP´s, se não existe um quadro legal regulamentador de atribuição de benesses com cartões de crédito e eles foram atribuídos e usados, Quid Iuris? O Código Penal está em vigor, ou podemos começar já a mandar os traficantes e outros criminosos como aqueles para a rua? É que a prisão é para toidos, ou não?
Sun Tzu , 11 Fevereiro 2012
É notificá-los pessoalmente («aos rapazes», claro)
É só notificar pessoalmente «os rapazes» (os m'nistros) para fornecerem a informação, com cominação de multa e sob pena de desobediência. Isso, decerto, agilizará estes areados do Estado de Direito.
Frei Tomás , 11 Fevereiro 2012
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Aqui está um exemplo de jornalismo deliberadamente equívoco que, afirmando factos verdadeiros, omite informação essencial, manipulando a notícia para atingir quem pretende atingir.
O jornalista não devia esconder que as acções foram propostas contra o governo de Sócrates e durante o reinado deste, por o mesmo e a sua corte terem recusado a informação à ASJP.
Foi Sócrates - e não Passos Coelho - quem primeiramente recusou a informação e agora há que saber se ela ainda existe e onde está antes de afirmar que o actual governo a recusa. Até porque é muito provável que tenha sido destruída já que para isso tiveram tempo.
Nesse caso não poderá ser fornecida mas pode ser reconstituída. Haverá que investigar e que alguém o faça.
Agora, a omissão do nome de Sócrates não foi mero esquecimento já que o articulista se esmera em citar o relatório do TdC de 2007, em plena maioria socrática e muito longe de Passos Coelho aparecer, sequer, em cena.
Quem ler fica com a ideia de que a máquina de propaganda do tempo de Sócrates ainda sobrevive, bem oleada, e até refinada ao ponto de pegar no que foi da responsabilidade dele para atribuir, em exclusivo, a Passos Coelho.
Vai-se a ver e, qualquer dia, chegamos à conclusão de que Sócrates nunca passou pelo governo, nem pelo que alterou a Zona de Protecção do Estuário do Tejo (em último dia de gestão) nem como primeiro ministro. Só houve antes e depois de Sócrates.
Mário Rama da Silva , 11 Fevereiro 2012
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Mário Rama põe o dedo na ferida. Bem pustulenta, aliás
Hannibal Lecter , 12 Fevereiro 2012
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Só para acrescentar, ao comentário do caríssimo Mário Rama da Silva, que a alteração dos limites da Zona de Protecção do Estuário do Tejo consta dos DL 140/2002 e 141/2002, de 20 de Maio, publicado no Diário da República I - série A, nº 116, de 20 de Maio de 2002, a partir das páginas 4604.

Era Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território... José Sócrates, claro.

(Curiosamente, embora aprovado em Conselho de Ministro de 21 de Março desse ano, foi promulgado por Jorge Sampaio a 2 de Maio, e... teve referenda ministerial já de... Durão Barroso!)

http://dre.pt/pdfgratis/2002/05/116A00.pdf

São os dois primeiros DL
Gabriel Órfão Gonçalves , 12 Fevereiro 2012
Culpa solteira e antidemocrática
Estou cada vez mais convencido de que a culpa, entre nós, é antidemocrática e nessa medida deve ser banida do nosso universo jurídico-político. Não admira por isso que, como diz MRS, haja quem escreva para defender Sócrates, correndo com a culpa do seu consulado para a jogar no de Passos Coelho e por isso MRS, inconformado, apressa-se a sacudi-la dos ombros do seu injustiçado, o nosso PM. Assim vai o nosso mundo, de capelinha em capelinha, até ao holocausto final do País no seu todo.

É claro que Sócrates e os seus foram os grandes responsáveis do que agora sofremos, mais do que ninguém e deviam estar na cadeira dos réus se fôssemos um Estado de Direito. Se não sabem como lhes pegar digam. Os islandeses podem dar uma ajuda. Isso todavia não limpa a atestada de Passos Coelho. Quem está obrigado a cumprir as decisões judiciais não é o fulano Sócrates, agora a viver a sua vidinha, é a Administração pública, em suma, ontem eram os responsáveis do organismo público em causa e hoje são-no os actuais. Estes podem dizer que não há documentos a enviar mas nem por isso tudo acaba aqui ou deve acabar. Seria simples demais e completamente ineficaz o recurso aos tribunais.

É muito simples: quem tem de provar que não há documentos a enviar é o obrigado e não basta dizê-lo. Se a prova não for feita devem seguir-se as consequências decorrentes da desobediência ao decidido judicialmente. Sobre os anteriores se a decisão judicial sobre eles impendeu e foi por eles desrespeitada e sobre os actuais responsáveis, pois o dever de cumprir da administração mantém-se. Se for feita a prova da inexistência actual dos documentos, não podem os actuais responsáveis ser objecto de sanção mas sobre eles impende outro dever inalienável: promover o procedimento adequado, em justiça, claro, mas também politicamente, para responsabilizar quem delapidou fundos públicos ilegalmente. Ao contrário do que possa pensar-se o nosso sistema jurídico é muito completo e não falta lei e até incriminação para disciplinar a nossa vida em sociedade. Nós estamos bem servidos de leis, sempre melhoráveis, claro. Não o estamos é de responsáveis pelo seu cumprimento. Por isso, caro MRS, não terça armas pela actual dama no poder. Dê tempo ao tempo mas sempre lhe digo que, pelo que se vê e mais se verá dentro em breve, corre grande risco de se arrepender. Não merecem para já o seu empenho. São dignos uns dos outros mas de nós, do povo em geral, não e hão ser chamados a contas, disso estou seguro.
Barracuda , 13 Fevereiro 2012 | url

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