Pedro Lomba - Nos últimos tempos apareceu nos jornais, a propósito da responsabilidade dos políticos pela nossa actual condição, a expressão ‘judicialização da política’. Sempre num tom cáustico ou desconfiado. Como nestas alturas a velha complacência portuguesa vem ao de cima, vale a pena pensar naquilo que pode ser essa judicialização.
A expressão não me parece bem empregue. Há muito tempo que a política se judicializou. Os juízes são frequentemente obrigados a “fazer política”, ainda que o escondam, ou pelo menos a medir as consequências políticas das suas decisões. Quando se pede aos tribunais que julguem políticas públicas, o que é isso senão uma forma de judicializar a política? Quando o Tribunal Constitucional, como outros, considera, e bem, o rendimento de inserção um direito assente na dignidade humana, não existe aí judicialização da política? Quando os fautores do regime distribuíram uma pletora de controlos pelos tribunais, não estavam a judicializar a política? Os exemplos podem multiplicarse. Em defesa da igualdade ou da protecção de bens públicos os tribunais escrutinam rotineiramente escolhas políticas e sociais. Podemos dizer, por exemplo, que o Estado Social depende da judicialização da política.
Por conseguinte, não pode ser a judicialização da política que, neste caso, atormenta algumas opiniões. O problema está então em criminalizar a responsabilidade de quem nos meteu neste sarilho. Ora, devem os políticos responder só politicamente ou também criminalmente por ilegalidades que pratiquem? Devem ficar expostos a investigações e inquéritos como qualquer cidadão, ou a leis, processos e tribunais especiais? Devem responder por crimes gerais ou também por crimes especificamente desenhados para as suas funções? E por que géneros de crimes?
Estas são dúvidas de princípio. Nada fáceis. Sem dúvida que o recurso aos tribunais com vista a punir condutas políticas ilegais e danosas pressupõe toda a cautela e razoabilidade. Por toda a parte as perseguições do poder judicial contra o poder político redundaram quase sempre em vitórias e derrotas para os dois lados, e com erros e indignidades pelo meio. Só por isso, a iniciativa da Associação Sindical de Juízes de querer levar a tribunal 14 ministros do anterior governo, por supostas despesas abusivas, é insensata e gratuita.
Mas o absurdo deste último exemplo não pode servir, de nenhuma maneira, para prescindirmos da criminalização da actividade política. Em primeiro lugar, um Estado que se prepara para usar o Código Penal para perseguir cidadãos que prestarem declarações falsas não pode ser brando, por razões de justiça, com os crimes de responsabilidade em que incorram os titulares de cargos políticos. Segundo, não existe nenhuma democracia do mundo que não admita algum tipo de criminalidade especial para governantes e altos funcionários. Terceiro, não esqueçamos que, depois de largar o poder por vontade própria ou por perder eleições, resta apenas uma forma eficaz de responsabilizar um político: a criminal. E quarto, quando se sabe que um ministro, um secretário de Estado ou um gestor público autorizaram arbitrariamente encargos financeiros de milhões sem qualquer “mandato” legal, não vejo como é que tais actos podem ser outra coisa senão crimes devidamente tipificados. À justiça o que é da justiça. Parece-me um bom princípio.
Pedro Lomba | Público | 27-03-2012
Comentários (3)
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Pois...
Mas por que razão é que quando alguém tendo conhecimento de ilegalidades, que podem ser crimes, praticados pelos titulares de cargos políticos, os não devem denunciar? Ou são apenas os juízes que não podem?
...
Os Juízes não devem meter-se na actividade política, e não deverá haver responsabilização dos titulares dos cargos políticos pelos actos praticados enquanto tal (as decisões governativas que tomaram, por piores que sejam, desde que não sejam os tipificados casos de corrupção, peculato, etc).
Agora, quando a ASJP, por causa de outra matéria, tomam conhecimento do regabofe de gastos, aparentemente injustificados, de dinheiros públicos, porque não poderá denunciá-lo? E se fosse o Professor Menezes Leitão, na sua acção judicial, a tomar conhecimento dos gastos? Também não poderia denunciá-los ao MP? E o Juiz dessa acção? Se lhe fossem apresentados os documentos comprovativos dos gastos, não poderia comunicá-los ao MP?
O pior, é que esquecem que os Juízes, mais do que todos os demais cidadãos, até têm o dever de comunicar todos os casos de suspeita da prática de crimes. É uma questão de exemplo que devem dar à sociedade.
O melhor seria que os Juízes só participassem do "zé-da-esquina", fechando os olhos ao "peixe graúdo"?