Debate. Juristas e especialistas dividem-se. Mesmo os favoráveis advertem para a delicadeza da situação. Tema ganha atualidade com a concentração promovida pela CGTP. É normal haver agentes policiais à paisana em manifestações? Qual o enquadramento legal específico dessa presença e que objetivos serve?
Estas perguntas, aparentemente simples, e suscitadas pela atuação, sob investigação pelo Ministério Público (na sequência de uma queixa do advogado Garcia Pereira) , de paisanos da PSP na manifestação de 24 de novembro de 2011, foram colocadas pelo DN à PSP, ao Ministério da Administração Interna e à Procuradoria-Geral da República. Nenhuma das instituições respondeu de forma minimamente satisfatória; a PGR remeteu mesmo o esclarecimento sobre a matéria para a análise da queixa de Garcia Pereira, o que indicia não a considerar passível de resposta imediata ou óbvia.
Estas questões ganham atualidade hoje, dia em que vai ter lugar uma manifestação nacional liderada pela CGTP no Terreiro do Paço, em Lisboa, a partir das 16.00.
Será que, como pensam o juiz desembargador Rui Rangel e Garcia Pereira, se está perante uma atuação ilegal da polícia? "Não existe lei clarificadora que permita a intervenção de agentes à paisana em manifestações", diz Rangel. "Numa cultura da democracia, a tendência é sempre duma cultura de identificação; os cidadãos têm o direito de saber se estão perante um agente em funções, a não ser em casos muito específicos de investigação criminal. Claro que se for à estratégia da polícia, eles poderão dizer que há a possibilidade de haver infiltração de elementos criminosos numa manifestação. OK, mas então que isso esteja regulamentado na lei. Porque neste momento, se não há um quadro normativo, é ilegal." Garcia Pereira vai mais longe:" Toda a gente que vai a uma manifestação é suspeita da prática de crimes? A presença de agentes à paisana no meio de uma manifestação, mesmo que não abram a boca, é já em si provocatória. Quanto mais andarem a deter e espancar pessoas, como sucedeu a 24 de novembro."
Germano Marques da Silva, penalista e professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, não vê ilegalidade à partida: "O problema de os agentes estarem fardados ou não é de técnica policial e não é necessária qualquer norma específica para o permitir; basta que para realizar o efeito de prevenção se justifique não estarem fardados." Mas adverte: "A atuação dos agentes no concreto é que pode levantar questões. Porque o agente infiltrado está muitas vezes resvés com o agente provocador. O agente infiltrado destina-se a prevenir a prática de crimes. No caso da manifestação, é para ver se há alguém que vá perturbar a sua prática, preservando assim o direito de manifestação. Se o agente ultrapassa isso, e é ele próprio a provocar, transforma-se num criminoso, e aí o facto de ser polícia não desculpa, agrava." No mesmo sentido se pronuncia o juiz António Martins, presidente do sindicato dos magistrados judiciais e ex-diretor adjunto da PJ: "Só posso enquadrar a atuação não fardada da PSP numa manifestação na perspetiva de prevenção da criminalidade. Aí não vejo qualquer problema, apesar de a regra da atuação na manutenção da ordem ser a farda e de claramente haver um limite que nunca pode ser ultrapassado - o de a atuação ir para além da prevenção."
Já para a penalista e ex-juíza do Tribunal Constitucional Fernanda Palma, se "a utilização de agentes não fardados em funções de mera segurança está dentro da área de discricionariedade da administração pública", é preciso atentar ao critério de proporcionalidade que deve reger sempre a atuação policial: "A polícia pode tomar as suas precauções, perante determinadas informações, para evitar situações piores, mas não se pode admitir que sempre que haja manifestações haja essa prática - se for sistemático, isso significa ver as manifestações como uma perturbação da ordem pública, algo de perigoso, o que é um condicionamento do direito de manifestação e remete para uma visão autoritária."
Motivos mais que suficientes para, como urge o catedrático de Penal Costa Andrade, se proceder a uma clarificação da situação: "É um problema que cada vez se tenderá a por mais, até com o agravar da situação social."
Ordens para infiltrados sob investigação
Paulo Rodrigues, presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP), assumiu ontem, em entrevista ao jornal i, que pediu explicações ao diretor | nacional em relação ao aconteceu na manifestação de 24 de novembro. Este ter-lhe-á dito que ordenou um processo disciplinar. "Aquelas situações... devem ser investigadas. Se houve comportamentos menos adequados, devem ser esclarecidos, mas não se pode ficar pelo agente que executou é necessário saber se houve ordem para aquilo acontecer."
'A polícia não deve substituir-se aos manifestantes"
Superintendente da PSP, novo diretor do Instituto Superior da Polícia e professor universitário na área de políticas de segurança, Pedro Clemente vê com estranheza a presença de agentes não fardados, sem qualquer identificação, em manifestações.
"Um agente de segurança não deve estar 'infiltrado' numa manifestação. Deve ter uma tarja, uma braçadeira que o identifique, como se passa com os elementos policiais que acompanham as claques de futebol. Não se devem confundir as qualidades. E a polícia não deve substituir-se aos manifestantes." E ensaia uma explicação: "Tivemos uma época morta na área da ordem pública e em que a polícia se virou muito para a área da investigação criminal. Agora estamos a começar a ter manifestações que vêm de áreas não tão estruturadas como aquelas a que estávamos habituados e são essas manifestações que podem trazer problemas para o futuro, como aliás está já a acontecer na Europa há algum tempo. E é preciso ir buscar boas práticas. Se houve alguma coisa que correu menos bem na manifestação de 24 de novembro, é preciso tirar ilações, colher lições para o futuro. Há que ter a cultura da avaliação: não tanto andar à procura de culpados, mas corrigir e melhorar."
Fernanda Câncio | Diário de Notícias | 11-02-2012
Comentários (7)
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A) Se não estão lá em serviço, estão no seu pleno direito pois são cidadãos como os outros e têm direito à indignação.
B) Se são "infiltrados" e estão lá apenas para detetar abusos de modo a evitar que a coisa descambe, não vejo qualquer ilegalidade.
C) Se são "infiltrados" e estão lá para identificar manifestantes com a finalidade de, depois, estes serem perseguidos como subversivos, É LEGALMENTE INADMISSÍVEL NUM ESTADO DE DIREITO (se é que ainda o somos).
Como dizem os alemães, Kinderleicht...
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Tem toda a razão o superintendente da PSP!
E Fernanda Palma alerta para o perigo mais que evidente:
[b ] "se for sistemático, isso significa ver as manifestações como uma perturbação da ordem pública, algo de perigoso, o que é um condicionamento do direito de manifestação e remete para uma visão autoritária."
Por isso ,como regra e excluindo situações pontuais de ameaças devidamente confirmadas, agentes" infiltrados" em manifs? !!!! São Policia Politica!
E que tal agentes "infiltrados " nos hospitais, nas escolas, nas fábricas, nos cafés, nos condominios etc??
Não me gozem !
Esses agentes infiltrados têm um nome:
Stasi, Pide, Securitatae,UDBA, Brigada politico-social, Gestapo, etc.!
A sua presença tem a ver com razões de segurança sim!
Mas razões de SEGURANÇA POLITICA ( contra os inimigos do Estado? Governo? Nação)
PAÍS DE GENTALHA DE MEMÓRIA CURTA!!!!!
PS:
Esse seu comentário bateu em cheio entre a ferradura e o cravo, caro Zeca Bumba!
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José Pedro Faria (Jurista - Discricionariedade administrativa?
"Apenas numa verdadeira democracia a presença de agentes à paisana numa manifestação seria ilegítima. Logo não não vislumbro qualquer obstáculo à mesma".
E estaria resolvido o problema sem necessidade de apelar ao espírito carnavalesco da época, que, igualmente, tornaria admissível a presença dos tais agentes disfarçados.
Mas direi ainda o seguinte:
Não me parece que Fernanda Palma esteja a analisar bem o problema. Não estamos numa área de "discricionariedade da administração pública", como ela afirma. Cheira-me antes a arbitrariedade. Se é normal a presença de agentes numa linha de "elétricos" onde a presença de carteiristas tem sido constante, não se vislumbra risco semelhante numa manifestação, designadamente da CGTP. Se, entre as 300.000 pessoas que estiveram presentes no Terreiro do Paço, havia carteiristas, deles não há notícias. Talvez tivessem feito uma pausa para cantar a "A Internacional".
Pelo contrário, as manifestações da CGTP são sempre tão pacíficas e organizadinhas que a presença de paisanas apenas ajuda a engrossar, na prática, o número de manifestantes.
É claro que nos surge de imediato na mente a palavra "infiltrados". O agente infiltrado, através da sua atuação tenta obter a confiança dos suspeitos, tornando-se aparentemente num deles para ter acesso a informações, planos, processos, etc. Mas no caso das manifestações há suspeitos? Suspeitos de quê? De terem uma opinião diferente da do Governo? Parece-me que Germano Marques da Silva precisa de reler as suas próprias obras.
Pior ainda foi aquilo que sucedeu na manifestação de 24 de novembro de 2011 em que há fortes indícios da presença de agentes provocadores. E não é desconhecido para nenhum leitor desta Revista que o uso da figura do agente provocador é proibida, já que é ele próprio a criar o crime, induzindo os suspeitos à prática de atos ilícitos, em consequência da perturbação da sua liberdade de vontade ou de decisão.
Parece-me que essas "maravilhas" da "discricionariedade administrativa" ficam melhor nos filmes americanos de ação.
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Quem conhece os meandros das manifestações portuguesas, que são diárias, conhece bem a relação de cooperação que existe entre a PSP e os promotores dessas manifestações. Principalmente quando falamos da CGTP ou da UGT, onde são feitas reuniões prévias para discutir trajectos, pontos de concentração e segurança.
As associações sindicais, por norma, são as principais interessadas na segurança de quem se manifesta, cooperando intensamente com a PSP em cessar os focos de violência provocados por um qualquer manifestante a eles associado mais entusiasmado. Normalmente, estes focos são prontamente resolvidos por um qualquer líder sindical que fala com o associado/manifestante e o acalma, demovendo-o desse comportamento.
Já quando falamos de grupos de manifestante que se «infiltram» em manifestações organizadas e pacificas, com o intuito claro de provocar actos de violência e contagiar outros manifestantes com essas intenções, os bem intencionados lideres sindicais perdem também a capacidade de pôr cobro à contenda, e um pequeno foco, assume proporções descontroláveis.
Estratégica e operacionalmente, a melhor forma de resolver estes focos é com agentes à civil. Identificam, aproximam-se sem chamar muito à atenção, e resolvem afastando estes manifestantes violentos dos restantes. Este tipo de intervenção, tem evitado vezes sem conta que se proporcionem as chamadas «cargas policiais».
Por outro lado, estes polícias aclamados de infiltrados e provocadores, são conhecidos por grande parte de quem costumeiramente se manifesta, principalmente pelos principais lideres de manifestações com quem, não poucas vezes, conversam sobre questões da segurança da manifestação.
Claro que a mesma história contactada de diferentes formas tem interpretações diferentes, mas que aqui não existem agentes provocadores não existem, nem policias a registar identificações para entregar ao governo e dizer «cuidado, este e aquele não gostam do seu governos, é melhor fazermos-lhe a folha". Quantos de nós, polícias, também não gostamos deste ou daquele governo...