Luís Menezes Leitão - Conforme se pode verificar por mais este acórdão, nem a autonomia legislativa das regiões autónomas tem, para o Tribunal Constitucional, a mínima protecção constitucional, quando se trata de decretar medidas de redução de salários. A crise financeira sobrepõe-se a todas as regras constitucionais.
É por isso que já se sabe qual será o destino do pedido de fiscalização da constitucionalidade do Orçamento apresentado por alguns deputados do PS, por muito que os seus autores o pretendam justificar depois de contraditoriamente terem viabilizado esse mesmo Orçamento no Parlamento.
Aliás nos últimos dias surgiram imensos juristas a antecipar já a futura decisão do Tribunal Constitucional e a pretender encontrar alguma racionalidade jurídica para o confisco de 25% do rendimento das pessoas em dois anos, que no seu entender teria evidente cobertura constitucional.
Assim, Miguel Poiares Maduro sustenta nesta entrevista que "o pedido dos deputados está condenado ao fracasso", com o que eu também concordo. A argumentação não é, no entanto, pelo facto de o corte ser constitucional, mas antes que "em quase todas as jurisdições constitucionais, esse tipo de inconstitucionalidade apenas é declarado em circunstâncias excepcionais", referindo o autor que "nem todas as questões que têm dimensão constitucional — e esta é uma questão com dimensão constitucional porque há uma questão de igualdade entre os cidadãos — podem ser decididas pelo Tribunal Constitucional".
O Tribunal Constitucional está assim, no pensamento deste autor, legitimado a deixar passar medidas que afrontem a igualdade entre os cidadãos, uma vez que "os princípios constitucionais só fazem sentido quando adaptados ao seu contexto".
Cabe então perguntar por que é o país se deu ao trabalho de elaborar uma constituição. Na verdade, conforme afirmou Eduardo Maia Costa, com este tipo de argumentação "revogado fica o Título I da Parte IV da Constituição e todos os manuais de direito constitucional".
Já Marcelo Rebelo de Sousa não gasta o seu latim em qualquer argumentação jurídica — para o caso, conforme se tem visto, pouco releva — limitando-se a perguntar "se passa pela cabeça de alguém que o Tribunal Constitucional declare a inconstitucionalidade do OE?". De facto, não passa. Mas passa pela cabeça das pessoas perguntar então para que serve o Tribunal Constitucional. Efectivamente, se a Constituição deixou de vigorar devido à crise financeira, não há qualquer justificação para manter o Tribunal Constitucional.
Comentários (19)
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Juristas? Onde?
O ´Código Penal define os crimes de furto ou roubo, como quiserem. Disse o Prof. Marcelo que o Banco de Portuigal também deveria dar o exemplo. Ou roubam todos ou não rouba ninguém. Também noutro dia afirmou que «o direito não era rígido». Ele lá sabe. Lembram-se daquele nomes exóticos em que havia o sr. Joaquim Penetra Murcho?
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Expectativas - e não "direitos adquiridos" (1), como alguns juristas e não-juristas referem erradamente, sem qualquer base dogmática - que em alturas de conjuntura de crescimento será impensável sacrificar, já podem, em alturas periclitantes para o futuro económico pátrio, ser sacrificadas (ainda assim, não brutalmente - vide novamente nota 1).
Se mantivermos, agora em época de recessão, os vencimentos dos funcionários públicos, pergunto onde é que vamos arranjar dinheiro para tal.
E, numa reponderação de minhas ideias anteriores, defendo mesmo hoje que deveria ser criada legislação que permita à entidade patronal privada baixar unilateralmente os salários a partir de certos valores elevados. E aí, ou o trabalhador diz ao seu patrão que consegue quem lhe pague mais noutro lado e se vai embora, ou o patrão reconsidera e desiste de lhe baixar o salário: o mercado, pois, que funcione como aprouver aos seus intervenientes.
Não posso de maneira nenhuma considerar que é inconstitucional, em quadro recessivo, baixar salários.
(Já tenho opinião diferente se o baixar dos salários for brutal. Os 25% de que fala o Prof. Menezes Leitão têm muito que se lhe diga. Minha mãe, funcionária pública, nunca recebeu tanto como quando se reformou. Talvez por ser católica, ficou escandalizada. Como é de bom tom ficar, mesmo sem fé. Agora a situação volta a normalizar-se - isto é, volta à economia real. E, mesmo fora do caso das reformas escandalosas, há progressões na carreira que acarretam ganhos escandalosos. Ora rendimentos elevadíssimos numa economia que não produz um parafuso, mais tarde ou mais cedo teriam de ser deflacionados.)
No entanto, entendo que os cortes propostos por Vítor Gaspar padecem de inconstitucionalidade por falta de progressividade: atacam em demasia sujeitos com parcos rendimentos, violando - a esses - expectativas fundamentais para a condução das suas vidas. Basta ver que a progressividade nos cortes morre mal começa a nascer: num gráfico, é uma "curva de planato à direita"! Ora haveria muito mais onde ir buscar: aos que ganham mais, aos que ganham muito mais, e aos que têm licença legal para roubar da CGA (Silva Lopes é conhecido por referir estas situações Procurar no youtube "Medidas de austeridade - 1 de 3 - Debate na RTP", aos 7 minutos). Ontem numa superfície comercial comi uma sopa de 2.50 que paga 23% de IVA - o mesmo IVA que pagam as malas de senhora que, no primeiro piso desse estabelecimento chegam a custar 2500 euros! As viagens de avião que qualquer pessoa faz para fora do País pagam 0% de IVA. Assim vamos, mal, tirando de onde não se deveria tirar e não tirando de onde há muito - escandalosamente muito, por vezes.
(1) Um direito está adquirido até haver norma que o revogue. E enquanto não o revogar está adquirido. A expressão é assim inútil. Seria como falar em "pessoas vivas" ou "vapor de água gasoso". Ou "subir para cima" ou "descer para baixo". Não há direitos "adquiridos" para todo o sempre e mais 15 dias, como pensam os sindicalistas, com as seguintes excepções: a Constituição apenas proíbe que, com (ou mesmo sem, note-se) efeitos retroactivos, se violem expectativas fundamentais para a condução da vida das pessoas (Vide artigo de Jorge Miranda na Revista O Direito sobre o "puxar do tapete" do Governo aos notários depois de lhes autorizar o exercício privado); e, tendo efeitos retroactivos, proíbe regimes fiscais e criminais agravadores. Agradeço opiniões diferentes se houver discordâncias. (Outra hipótese de direitos irrevogáveis seriam os Direitos Humanos. Não concebo mais.) Dever-se-ia então falar em "direitos constitucionalmente irrevogáveis" (enquanto a Constituição (e normas de fonte supra-constitucional, como a Carta das Nações Unidas) for a que é..., porque caso contrário nem isso).
Grato pela atenção
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Temos que, portanto, dividir os juristas em:
1. Fixistas
2. Moles, flexíveis ou bananas
O Fixista é aquele que respeita a letra e o espírito da Lei e age em conformidade.
O Banana é aquele que modifica a sua interpretação da Lei conforme lhe vai dando jeito, podendo mesmo chegar a interpretações contra-legem, desde que as circunstâncias do momento o justifiquem.
Conclusão: neste confronto entre Fixistas vs. Bananas, a vitória pende para os últimos, já que este têm a espinha dorsal mais flexível, permitindo-lhes escapar ao opróbrio que significaria cumprir uma Lei que defende princípios caducos, verbi gratia, a igualdade entre os cidadãos.
Só por manifesta ignorância ainda não mudei para o campo vitorioso, mas conto prosseguir a minha leitura de magníficos textos oriundos dos brilhantes crânios ultra-liberais e conto, em breve, mudar a minha disparatada interpretação da Lei Fundamental.
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O Constituição não é um valor em si mesmo, está ao serviço do Povo e não ao contrário.
Quem quiser ganhar o que ganhava pago com empréstimos dos usurários e agiotas internacionais que emigre. Os juízes e outros prejudicados vão dar sentenças em Angola, China, Brasil, Índia, EUA.
Qual o resultado destas maravilhosas governações sem forças de bloqueio?



Face aos resultados por mim estou farto de "avanços".Sou mais pelo "crime com castigo" e "lei igual para todos".Assim concordo com o Jardim:Acabe-se com essa despesa extra!Acabe-se com o TC!
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Mas, o meu caro não sabe que aqueles juristas que qualifica como "Bananas" são considerados, nowadays, como os grandes juristas, os juristas de fino recorte, os juristas que ponderam devidamente as circunstâncias do caso concreto?
Todos os outros são os massa-brutas, os matacões do Direito, juristas "de trazaer por casa" que não sabem - pasmemo-nos - "interpretar de modo conforme à Constituição" nem "aplicar a Constituição" (em que "Constituição" significa apenas o modo como aquela casta "iluminada" de juristas dominantes ou que seguem cegamente o estilo dominante ACHA QUE AS NORMAS CONSTITUCIONAIS TÊM DE SER INTERPRETADAS, ou seja, para dar maior proteção aos criminosos, aos caloteiros e calaceiros, aos políticos e seus amiguinhos, aos ataques aos direitos de quem trabalha e à segurança dos cidadãos face à criminalidade e outros desmandos do Estado em termos fiscais e de segurança social, etc).
Por isso, meu caro, quem manda são os juristas BANANAS.
Por mim, continuarei a ser jurista bota-de-elástico com muita honra (e creio que o meu caro tb).
Cumprimentos jurídicos.
HIMEN COMPLACENTE
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Se não for pedir muito, quando se referirem a tais inconstitucionalidades, ao menos digam:
qual a norma violada
e porquê.
Ex.: os cortes (especificar se são todos os cortes ou não, se são só a partir de determinado valor, se são para os funcionários ou só para os reformados/pensionistas) violam a confiança / a tutela das expectativas dignas de protecção constitucional (e referiram quais são essas expectativas ou qual essa confiança, já agora. Será que quando me aumentaram o IMI me violaram constitucionalmente uma qualquer expectativa ou direito, criada no tempo das vacas gordas, quando comprei o imóvel? Será que quando o Estado aumenta o imposto sobre produtos petrolíferos viola constitucionalmente uma qualquer expectativa do empresário que no tempo das vacas gordas decidiu investir tudo o que tinha numa empresa de camionagem? E quando cria portagens nas SCUTS também? É tudo inconstitucional? Enfim, ao menos vejo que, no que toca aos cortes feitos aos que mais recebem, vai caindo inexoravelmente a ideia de que há inconstitucionalidade por violação da tutela da confiança... Sobra agora a questão da inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade.)
- os cortes violam o princípio da igualdade (explicando por que é que um funcionário público é igual a um trabalhador privado, e se é todo o funcionário público que é igual a todo o trabalhador.)
Quanto à referência do Caro José Pedro Faria sobre "fixistas" e "bananas", termos claramente exagerados e que não fazem justiça aos receptores dos epítetos (nem a uns nem a outros), respondo aqui:
http://www.inverbis.pt/2012/po...-subsidios
no fim.
Sr. Gabriel e Sr. António!
As ideias obtusas, que surgem em tempos de crise, são de tais mentecaptos, que nem percebem que a velocidade com que querem atropelar a Constituição ainda nos vai a todos conduzir para um sinistro colectivo!