A declaração de inconstitucionalidade obrigaria a fazer um orçamento rectificativo que corresponderia, na prática, a um novo Orçamento e a definir nova estratégia orçamental.
O pedido de fiscalização sucessiva de constitucionalidade das normas do Orçamento apresentado na semana passada incide sobre a suspensão do pagamento de subsídios de férias e de Natal a trabalhadores do sector público e a reformados e aposentados. Tanto quanto é possível perceber pelas declarações dos seus subscritores, alega-se a violação de três princípios constitucionalmente protegidos: do princípio da igualdade, pela amputação de uma parte significativa do rendimento apenas a um grupo específico de cidadãos portugueses, os funcionários públicos; do princípio da protecção da confiança, pelo facto de a supressão/redução dos subsídios de férias e de Natal não se restringir ao sector público, abrangendo também reformados e aposentados com carreiras contributivas no sector privado; e do princípio da proporcionalidade, pelo facto de estas medidas terem ultrapassado os limites admissíveis do sacrifício. O objectivo deste recurso é obter a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral daquelas normas do Orçamento, impedindo que produzam efeitos na nossa ordem jurídica.
Se o Tribunal Constitucional (TC) declarasse a inconstitucionalidade de todas essas normas, causaria decerto uma tempestade jurídico-financeira, com repercussões quase certas a nível internacional. O grande efeito dessa declaração seria sem dúvida abrir novo debate tendo em vista a aprovação de um orçamento rectificativo. É que sem essas normas o quadro contabilístico em que assenta OE 2012 alterar-se-ia por completo. Ao declarar essas normas inconstitucionais aumentaria, muitos milhões de euros, o montante total das despesas que estão previstas no Orçamento, sem que houvesse um acréscimo correspondente nas receitas. O equilíbrio entre receitas e despesas ficaria pulverizado e muito aquém das metas de défice orçamental.
A declaração de inconstitucionalidade obrigaria o governo a fazer um orçamento rectificativo que corresponderia, na prática, a um novo Orçamento e a definir nova estratégia orçamental. E neste cenário teria apenas duas opções: substituir o corte de despesa por um aumento de impostos, cobrando-os tanto a funcionários públicos como a trabalhadores do sector privado; ou então tentar uma redução de despesa, fazendo o que nos termos da Lei de Enquadramento Orçamental deveria ter feito e não fez, aquando da apresentação da proposta do OE 2012: enquadrá-lo no projecto que tem para o quadriénio da sua legislatura, dando com ele um pontapé de saída nas tão ansiadas reformas estruturais que pretende implementar.
É, porém, pouco provável que o TC venha fazer a declaração de inconstitucionalidade de todas as normas invocadas pelos deputados que assinaram este pedido. E isto essencialmente por dois motivos. Primeiro porque o TC, na sua acção ao longo dos anos, tem sempre tido o cuidado de, com o seu juízo de inconstitucionalidade, não gerar uma situação que se revele demasiado onerosa para o Estado. São inúmeros os casos em que o tribunal restringe os efeitos da inconstitucionalidade de forma a proteger os interesses financeiros do Estado. Segundo, é de recordar que em dois acórdãos que fez, a propósito das reduções remuneratórias aos trabalhadores do sector público feitas no OE 2011 (um deles tendo sido publicado ontem no Diário da República), o TC se mostrou permeável a reconhecer como não inconstitucionais medidas temporárias, dentro do contexto de excepcionalidade imposto pelo cumprimento das metas de défice a que estamos internacionalmente vinculados. Com efeito, o TC entende que a tomada de medidas transitórias, desde que não afectem o direito a um mínimo salarial, é uma “forma legítima e necessária, dentro do contexto vigente, de reduzir o peso da despesa do Estado, com a finalidade de reequilíbrio orçamental” (Ac. n.o 396/2011).
Maria d’Oliveira Martins, Docente na FDUC | i-online | 26-01-2012
Comentários (7)
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Se de mim dependese questões destas nem ocupavam espaço nesta revista que tem muitas mais questões sérias para publicar, como por exemplo o n.º de trabalhadores despedidas dia a dia, de contratados com recibos verdes, de clierntes da sopa do pobre e endereços onde se pode ir comer, lugares vagos para administrador dispensado de trabalhar de grandes empresas com cordão umbilical ligado ao ministério das finanças ou monopolistas na prestação de serviços essenciais. Neste caso pode ser que alguem dos leitores estivesse em condições de aproveitar estas informações.
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É uma vergonha para o Direito o que se vem passando no TC nos últimos anos.
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Há por aí muita gente a falar para microfones (refiro-me a não juristas, e são tipicamente sindicalistas de 18ª categoria, parece que alguns com escola do Banco de Portugal) que mete os pés pelas mãos quando fala do princípio da protecção da confiança... e de outras coisas.
Sr, Gabriel!
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eu nunca disse que o BPN não era um escândalo, pois não?
Mais uma vez refiro que considero que os cortes padecem de inconstitucionalidade por violação do princípio da progressividade. Falta cortar muito mais nas reformas milionárias, obtidas pelos seus titulares, quase sempre, com descontos muito abaixo do que agora lhes devolvem. (Na minha familia há um exemplo de uma reforma que, quando foi atribuída - agora jã sofre cortes... abençoados! - eu considerei ser uma reforma milinária.)
Veja aqui, por ex., sobre um de muitos descalabros:
http://www.dn.pt/especiais/int... Investiga
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http://www.jornaldenegocios.pt...34545&pn=1
Se não resultar, procurar na net por
"Pensões dos políticos custam 80 milhões de euros em 10 anos"