Quando se fazem reformas que custam milhões de euros sem nenhum resultado prático, só podemos perguntar: a quem se quer servir? As causas da crise da justiça não devem ser procuradas nos tribunais. Os magistrados apenas aplicam as leis, não as fazem nem as aprovam. A crise da justiça resulta, antes de mais, de maus diplomas legislativos, pensados por legisladores de baixa qualidade, muitas vezes para responder a cumplicidades obscuras.
A crise da justiça é o espelho de dececionantes opções políticas com que o sistema tem sido inundado. É revoltante pensar-se, por exemplo, que as reformas penais de 2007 tenham sido uma resposta a um caso concreto, o processo Casa Pia. Não é racionalmente compreensível que se alterem diplomas, muitos deles redigidos em gabinetes de advogados, ao ritmo de sugestões isoladas, de interesses sectoriais ou de mudanças de governo. A justiça é, acima de tudo, um valor que exige serenidade, estabilidade e respeito.
Por uma razão simples: ao ser humano, a fome de justiça causa muito mais dor do que a fome de pão. Sejamos, então, intelectualmente honestos e admitamos: a crise no sector é sistémica porque se está a deixar cair o respeito pelo humano. E quando esse respeito desaparece, todas as injustiças são possíveis e aceites todas as investidas.
Na última década assistimos, sobretudo, a um ataque aos cofres dos tribunais: privatização do notariado, privatização da ação executiva, a entrega do apoio judiciário ao controlo da Ordem dos Advogados sem nenhuma fiscalização por parte dos tribunais. E acrescente-se os incentivos públicos à resolução alternativa de litígios, leia-se tribunais arbitrais, onde a justiça existe à margem do sistema tradicional.
São muitos milhões em jogo nesta investida, com a possibilidade de enriquecer muita gente, e de empobrecer o erário público. Quando outros valores se levantam que não seja o "faça-se justiça" surge a crise. E é ao que estamos a assistir, curiosamente, com a justificação de que é preciso desentupir os tribunais. O afã de salvar a justiça é tanto que a estão tornar moribunda.
A ministra da Justiça já anunciou reformas para endireitar as que nasceram tortas. Deseja-se que o faça guiada por um enorme respeito pelo humano. E terá êxito.
Licínio Lima | Diário de Notícias | 30-01-2012
Comentários (4)
Exibir/Esconder comentários
...
Tudo dito.
Subscrevo e aplaudo.
...
O BEZERRO DE OURO
O vil metal parece ser, nos dias que correm, a tábua de todos os valores.
Deu nisto.
Era expectável.
Ainda estamos a tempo de mudar.
Mas, salvo o devido respeito, o "pessoal" que ocupa as cadeiras dos poderes não me dá, por ora, as adequadas garantias.
A começar, obviamente, na badalada "troyka".