Jan Dalhuisen - Os dois problemas mais graves que Portugal enfrenta são a falta de uma sociedade aberta e o estado do seu sistema legal.
Os problemas que afectam Portugal e outros países ocidentais têm, essencialmente, origem em sistemas insustentáveis de previdência social. No entanto, os dois problemas mais graves que Portugal enfrenta são a falta de uma sociedade aberta e o estado do seu sistema legal. No passado recente, o FMI foi forçado a intervir em Portugal por três vezes, desta última em parceria com a UE, mostrando a incapacidade, ou a falta de vontade, de Portugal de se gerir. Algo tem de mudar se Portugal quiser ser levado a sério.
À falta de um sistema legal forte, surge um sistema em que até a obtenção de direitos legais e contratuais depende de favores. Nada pode ser objectivamente reivindicado, sendo mesmo necessário adular os funcionários públicos para que cumpram a sua obrigação legal com os cidadãos. A criação das Lojas do Cidadão foi uma preciosa ajuda, mas, além disso, deveria implementar-se um sistema de gabinetes de ombudsmen, com competência para resolver, de forma imediata e sem burocracia, os litígios de baixo valor e acções administrativas, e aplicar sanções. Esta forma de justiça imediata, por grosseira que possa parecer, é a resposta. Haverá tempo para requintes mais tarde, se necessário.
O passo seguinte seria tornar os tribunais eficientes e executar eficazmente as respectivas sentenças, em especial as relativas a cobranças de dívidas e despejos. Por desagradável que fosse, seria necessária uma autoridade policial especial, com plenos poderes e independente da polícia comum. Para mais, eu acabaria com os recursos em sede de acções civis, comerciais e laborais, excepto no caso de os próprios tribunais concederem essa opção às partes, o que deveria ser uma medida excepcional e apenas aplicável em caso de interesse público. Não existem recursos em sede de arbitragens comerciais internacionais, e os profissionais do foro consideram esta situação perfeitamente normal. Além disso, é absurdo que em Portugal haja um grau adicional de recurso para o Tribunal Constitucional. Os tribunais comuns deviam tratar destes assuntos de modo que todos os litígios fossem julgados num prazo de três a cinco anos, no máximo. Sem isso não há justiça nem “rule of law”.
Num sistema judicial assim reformado, os tribunais de primeira instância julgariam com um colectivo de três juizes e as regras de processo civil seriam reduzidas a um código de 15 páginas, no máximo. Os detalhes processuais seriam deixados ao critério dos tribunais, que, à semelhança dos árbitros, teriam o dever de decidir em prazos mais curtos. Os juizes também não deveriam ser obrigados a resumir os factos e recursos a meio dos processos, o que representa um desperdício de tempo e energia.
Relativamente aos advogados e respectiva supervisão, seriam necessários reguladores em áreas especializadas. Isto significa que na área financeira, por exemplo, os reguladores deveriam supervisionar não só os bancos e outros serviços financeiros, mas também os respectivos advogados. Teriam uma lista de sociedadesde advogados e advogados autorizados. Os lesados teriam a faculdade de apresentar reclamações a estes reguladores relativamente ao comportamento dos advogados e os reguladores teriam competência para impedir que aqueles continuassem a exercer. Podiam ser atribuídas competências semelhantes a outros reguladores.
Tais medidas levariam certamente a todo o tipo de protestos, em defesa da independência dos advogados, o que, de acordo com a minha experiência, é o melhor sinal de que se acertou em cheio. E porque contestaria qualquer advogado decente esta medida se não por medo de se afundar juntamente com um cliente duvidoso? É um requisito indispensável para reabilitar os serviços financeiros neste país, o que é muito necessário e nunca se conseguirá sem uma maior responsabilização dos advogados.
Jan Dalhuisen
Professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, do King’s College de Londres e da Universidade Católica Portuguesa (Lisboa)
ionline | 14-02-2012
Comentários (20)
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Texto interessante, este do artigo.
Verdades sobre os tugas
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Meditemos.
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Uma delas é, de facto brilhante e é uma constatação certeira: os advogados (enquanto classe) que tanto pugnam por maiores possibilidades de recorrer das decisões dos tribunais e se fartam de vir com as inconstituconalidades das normas que negam o direito ao recurso são os mesmos que se contentam em recorrer a arbitragens comerciais internacionais em que, como o autor bem diz, não é possível recorrer...
Ademais, não posso esquecer de que se diz à boca cheia que os magistrados é que são corporativos... E OS OUTROS NÃO...

José Pedro Faria (Jurista) - O Professor dos portugueses
Ainda há algum tempo atrás este mesmo Senhor, que gosta de debitar sentenças acerca de tudo o que mexe em Portugal repetia o que já disse por diversas vezes: "toda a gente [em Portugal] pensa que tem esse direito, o de andar em carro novo". E acrescentou que andar de carro novo em Portugal "é uma mania". Parece que este Senhor prepara muito mal as suas intervenções porque nem se deve ter dado ao trabalho de consultar as estatísticas disponíveis sobre o assunto. Os carros a circular em Portugal estavam, em 2011, com uma idade média de 10,5 anos, acima da média europeia de 8 anos, e com o dobro da média do Reino Unido (5,3 anos). Apenas a Grécia tem uma média semelhante a Portugal. Portanto, talvez quem se tenha paciência para esmiuçar cada frase deste Senhor tenha algo curioso para contar.
Este Senhor também tem o hábito de colocar a parte de leão da responsabilidade pela crise em cima do cidadão comum: fala de "comportamento tolo do público em geral" no que respeita à matéria dos empréstimos pedidos à banca, esquecendo toda a política bancária profundamente errada, com a conivência dos sucessivos governos em Portugal que durante anos pactuaram com um estado de coisas insustentável e, para mais, ainda o incentivaram. Mas a culpa não é de quem tem detido o poder; a culpa é do Povo (o que, de certo modo, até é verdade, mas por motivos diferentes...).
E, neste artigo, este Senhor, mistura banalidades com frases descontextualizadas (como a referência à "previdência social") e ainda com propostas baseadas numa visão muito peculiar de Justiça. Eu ousaria até ir mais longe que o articulista: o Código de Processo Civil não deveria ter mais que uma página, onde, de forma singela, se encontraria determinado que "o juiz decide". Neste caso até um árbitro de futebol seria suficiente para o efeito (estamos no âmbito da arbitrariedade!). O que interessa é resolver com rapidez, especialmente se uma das partes envolvidas for um deserdado da sorte.
Numa coisa, no entanto concordo com o articulista: "é absurdo que em Portugal haja um grau adicional de recurso para o Tribunal Constitucional". "Tribunal"?
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EXCITAÇÕES...
Pretender reduzir todo o Código de Processo Civl a 15 páginas é de mestre!...
Querer acabar com os recursos é de uma esperteza a toda a prova!...
Misturar toda a advocacia no mesmo saco é de quem bem se vê andar comendo e bebendo por outras bandas!...
O ilustre Catedrático perora, opina, sentencia ... como se estivesse noutro planeta!...
Ele que vá dar as suas lições aos agiotas que nos estão a comer a carne e a roer os ossos!...
Dá-lhes, Dalhuisen
Com toda a sinceridade, acho uma perspectiva interessante porque provém de alguém de fora do sistema português.
Claro que nos chocam algumas das soluções defendidas, mas é por que as vemos sob a perpectiva do sistema onde nascemos, vivemos e, muito provavelmente, acabaremos.
Aco particularmente interessante a ideia de reduzir o processo civil a 15 páginas ....
Seria tipo orçamento de base zero.
Arrumar definitivamente com o José Alberto Reis, em vez de optar pelos sucessivos remendos, como aliás mais um se aproxima.
Por isso, agradecendo o contributo,
Força, dá-lhes Dalhuisen !

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Será este o preço a pagar por nos termos colocado na posição de pobretanas?! Qualquer estrangeiro dá a sua douta opinião sobre o nosso modo de vida? Tudo o que vem de fora é bom?!
Se calhar o sistema judicial americano é um modelo...
Desculpem-me a linguagem, mas que treta!!!
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Mas assim, não há muito espaço para colocar alçapões e armadilhas, dado que a "floresta" se torna muito pouco "frondosa"...

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Bastará subscrever logo o primeiro comentário do ABC.´
É evidente que este senhor pretende dar lições sobre um sistema sobre o qual nada sabe. Não encontro nada de certo, coerente ou viável ao longo de todo o texto. E com esta ideia e conclusão me fico.