Helena Garrido - Quem não paga a renda deve ser despejado sem demoras nem burocracias. Quem vive em casas com rendas congeladas deve ter tempo para se adaptar aos novos preços ou apoios do Estado apenas quando é idoso e não tem rendimentos. Tão simples como isto.
Só o tempo dirá se a nova lei das rendas, liderada pela ministra Assunção Cristas, é aquela que finalmente vai começar a criar um mercado de arrendamento e desencadear a reabilitação dos centros urbanos, dramaticamente degradados como estão em Lisboa e no Porto. Esta é a terceira tentativa, desde os anos 80 do século XX, de corrigir a política de congelamento das rendas dos pós-25 de Abril, que já estava contagiada dos tempos de Salazar, e de reduzir o excesso de garantias dos inquilinos, que serve mais os oportunistas do que protege os desfavorecidos.
O arrendamento tem dois problemas fundamentais, que esta lei está mais perto de resolver do que as anteriores tentativas. O primeiro problema é a dificuldade em despejar inquilinos que não pagam, com os processos a arrastarem-se nos tribunais. Este deveria ser um problema muito fácil de resolver. Quem não paga é despejado administrativamente pela polícia, sem apelo nem agravo, num determinado e limitado prazo - a nova lei prevê três meses. Além disso, a lei devia consagrar o pagamento de juros por atrasos nos pagamentos da renda - o que (ainda) não acontece.
O outro problema, mais complexo, é o das designadas "rendas antigas". São casas onde estão inquilinos que beneficiam de contratos assinados com um enquadramento legal anterior aos anos 90. São estes casos que explicam que 56% das rendas que se pagam em Lisboa sejam inferiores a 60 euros.
No universo das pessoas que vivem nas casas de "rendas antigas", há casos que impõem a intervenção do Estado. Mas esses casos devem limitar-se aos idosos ou deficientes com rendimentos baixos. Todos os outros têm capacidade para resolver os seus problemas sem serem subsidiados pelos dinheiros públicos ou, como tem acontecido até agora, pelos senhorios.
Ainda que mantenha por mais cinco anos o proprietário no papel de financiador do apoio social, a solução escolhida pelo Governo para o problema das "rendas antigas" parece ser ajustada. Paga mais quem pode, com limites indexados ao rendimento familiar que não se podem considerar excessivos. E passados cinco anos, o contrato antigo desaparece.
Apenas um parêntesis para recordar outros problemas. Repare-se como, neste caso das rendas antigas, o Governo propõe legislação que reabre contratos que supostamente devem ser invioláveis. A mesma política está a revelar-se muito mais difícil de aplicar nos contratos assinados com o Estado no domínio da energia e das parcerias públicoprivadas.
Tal como os excessos cometidos com alguns grupos de pressão, também as políticas de protecção dos mais desfavorecidos ou dos supostamente elos mais fracos foram longe de mais em muitas matérias. Uns e outros exploram rendas, uns ao Estado, outros, no caso do arrendamento, aos proprietários. Não é assim que se consegue criar rendimento, gerar crescimento.
O enquadramento legal do arrendamento, em que temos vivido, em vez de igualar os poderes das partes deu ao arrendatário um poder excessivo. Ninguém quer que o pêndulo do poder favoreça agora o proprietário. Mas é urgente que se acabe com o medo de arrendar. Esperemos que a lei das rendas, desta vez, não falhe. A partir de Junho já poderemos começar a saber.
Helena Garrido | Editorial Jornal de Negócios | 11-01-2012
Comentários (6)
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Incrível conclusão! Que certeza!
Ò Helena, devias viver com 500 ou 600 euros por mês, para ver qual era a tua capacidade de pagar uma renda.
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Esta é mais uma demonstração de como funciona a mentalidade ultra-liberal: o Estado (que só atrapalha os interesses daqueles que pretendem acumular capital à custa dos pobres e da classe média (hoje quase sinónimos) deve praticamente desaparecer, deixando os vorazes mercados arrasar o país, colocando-o ao nível dos países mais atrasados do mundo no que respeita à distribuição da riqueza.
Concordo que o mercado do arrendamento não funciona e esse problema deve ser resolvido. Mas afastar o Estado do problema, significará lançar milhares de pessoas na rua, sem rumo nem esperança, agravando assim os problemas sociais, que são de uma dimensão crescente. Será que o regresso em força aos bairros-da-lata será o objetivo dos ultra-liberais?
Esta ausência de sensibilidade social que caracteriza o pensamento liberal já foi várias vezes condenada pela História e não tenho dúvida que, uma vez mais, será castigada. É isto que pessoas como a articulista são manifestamente (e infelizmente) incapazes de compreender.