A ministra da Justiça avisou o Tribunal Constitucional de que não desistiu da iniciativa legislativa sobre enriquecimento ilícito. Mas sem alterações quanto às questões de constitucionalidade, a proposta não passa pelo crivo da Constituição. Sob a linguagem política da ministra, só pode estar o desejo de uma reformulação que não colida com o juízo do tribunal.
Uma nova contradição com o anterior acórdão do Tribunal Constitucional deverá conduzir a um voto idêntico por parte dos juízes que tomaram parte na respetiva decisão. E não parece correto o Estado de Direito ignorar as razões ponderosas que justificaram o juízo de inconstitucionalidade, apostando na mudança dos juízes indicados pelo poder político.
Além disso, com a criminalização do enriquecimento ilícito, a investigação poderia deter-se no lançamento da suspeita, obrigando o arguido a provar em tribunal que todos os seus rendimentos têm origem lícita. Uma tal solução dispensaria os esforços da investigação para ir mais longe e deslindar crimes tão graves como a corrupção ou o tráfico de influências.
Objeções como as do Tribunal Constitucional, em nome da presunção de inocência e contra a inversão do ónus da prova, fornecem bons argumentos contra certas investigações e violações do segredo de justiça que põem em causa o bom-nome das pessoas. Isto tem acontecido repetidamente (e até a defensores da criminalização do enriquecimento ilícito).
A divulgação das buscas é muito grave dada a afetação da credibilidade da pessoa visada e do próprio processo. A investigação deve ser secreta, obrigando ao silêncio os investigadores e os alvos. A mediatização dos processos é contrária à atitude do famoso detetive Colombo, da série televisiva, que cercava o suspeito, sem que ele o percebesse, até à estocada final.
Não sabemos, em cada situação, a quem se deve a divulgação pública das buscas ou de outras diligências. Por isso, não podemos lançar a primeira pedra contra ninguém. Seja como for, a investigação transforma-se numa trapalhada. Toda a suspeita e, muitas vezes, toda a defesa são apresentadas na comunicação social, subvertendo o processo penal.
Porém, para serem coerentes, os defensores da criminalização do enriquecimento ilícito e da inversão material do ónus da prova não se podem limitar a dizer que não existem quaisquer razões de suspeita. Têm de demonstrar à saciedade todas as fontes de rendimentos e provar que eles não estão relacionados, por exemplo, com esquemas de fuga ao Fisco.
Fernanda Palma | Correio da Manhã | 16-12-2012
Comentários (11)
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haja pachorra!
A burrice está do lado de quem engole artigos da treta como está.
Então o inquérito desenrola-se num círculo fechado durante meses (MP, PJ e funcionários judiciais) e ninguém sabe dele.
No dia em que é feita uma diligência externa, sabe-se do processo, e a culpa é daquele círculo que manteve o segredo durante meses?
Não foi o porteiro do prédio onde se fez a busca que contou a alguém? Não foi a empregada da limpeza que ouviu? Não foi o "buscado" ou os seus familiares que assistiram? Não foram os familiares ou amigos a quem foi relatado o sucedido? Não foram os advogados logo contactados (até para descredibilizarem a investigação, pescando os artigos cabotinos dos idiotas úteis, como o vertente)?
Não, foram os investigadores, que, por ser importante, mantiveram o segredo, e que são os menos interessados na descredibilização da sua investigação.
CREDO!!!!!!!!!!!!!!!
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Quanto ao enriquecimento ilicito, é evidente - pelo menos para mim - que inexiste qualquer inversão do ónus da prova - e o próprio "t"c, quando era Tc chegou a considerar não inconstitucionais normas que presumiam a culpa do chefe de redação, desde que essa presunção fosse ilidível (como era) -. Para além disso, não podemos querer combater esta criminalidade organizada e economico-financeira do séc. XXI com os princípios do costume, tal como foram "cunhados" para responder à criminalidade dos séculos anteriores. Por exemplo, em Itália, só se conseguiu combater eficazmente as brigadas vermelhas e a máfia quando o legislador e os tribunais interiorizaram esse facto, E SEMPRE COM A OPOSIÇÃO FRONTAL DA TODO-SABEDORA DOUTRINA (aliás, sempre muito mais "conhecedora" da realidade social e judiciária do que os próprios tribunais e polícias).
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Na ocupação desses lugares e tendo em conta os vencimentos correspondentes, deve presumir-se que o enriquecimento é ilícito, cabendo ao suspeito ilidir essa presunção.
Assim, sabido que determinado sujeito era pobre e que ocupando o lugar de ministro, finda essa ocupação e não se lhe conhecendo outra actividade efectiva, porque é que se não ha-de admitir que o seu enriquecimento é ilícito se passa a viver à custa, por exemplo, dos proventos de um risort, e num país estrangeiro, adquirindo essa nacionalidade para o que der e vier?
Donde lhe veio o dinheiro para adquirir o risort? presumivelmente da traficância de influências e negociatas à custa do zé pagode....ele sempre teria a possíbilidade de dizer: não, saiu-me a sorte grande, o euromilhões ....
Assim, nunca poderá o povo reaver os dinheiros sacados ao erário público.
Porque é que a gente há-de andar a pagar as roubalheiras que outros fizeram, como me acontece a mim que nada devo a ninguém?
Outra vez e sempe
Que douta.
Que...
A gente lê e não acredita!
Sic transit gloria mundi.
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Mas a ASJP, que vos representa, não é contra a tipificação do enriquecimento ilicito ?????? É, como já foi expressamente referido pelo presidente da mesma. Assim, e salvo o devido respeito, não percebo, pois, os vossos comentários.
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A ASJP não é contra a tipificação do enriquecimento ilicito.
Alguns dos juízes sindicalizados (até membros dos órgãos sociais da ASJP) são contra.
Esclarecido?
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Pois sendo o enriquecimento ilícito um resultado, objectivo, material, anormal, que a comunidade próxima e o cidadão de boa fé, sem intuitos persecutórios ou políticos,manifestamente estranha e se interroga, sem encontrar uma explicação lógica, plausível,, em termos de vivência lícita, dada a exuberância de riqueza manifestada em curto prazo e atentas as funções habituais e profissionals dos implicados, obviamente que tais indícios factuais são reveladores de uma anormalidade digna de ser averiguada.
Se é certo quem não deve, não teme...para provar os seus rendimentos...
Há um outro lado do problema. quanto aos declarados rendimentos, que é o desplante do procedimento, esse já em vigor, e em execução, do empobrecimento lícito, ou seja, do confisco que vem a ser feito a todos aqueles que honestamente trabalham e aos pensionistas que fizeram os seus descontos, no cercear desse património declarado. Aí, não há pruridos legais...
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Na judicatura não somos nenhuns carneirinhos que obedecem cegamente a tudo aquilo que o Presid da ASJP acha. Apesar de ter estima pessoal pelo Dr Mouraz Lopes, não digo amen a tudo o que ele diz. E acredito que os demais juízes tb não.
Coisa aliás bem diversa do que se passa numa outra profissão forense (que, essa sim, tem o seu Deus e que são todos - ou quase todos - contra tal incriminação, pois se assim suceder, muitos dos clientes deles deixam de passar nos intervalos da chuva).
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Agradeço o esclarecimento.
Mas sendo, assim, o Sr. Presidente da ASJP devia esclarecer que fala a título pessoal. Não o fez e por isso na entrevista que deu, se bem me lembro, constava em grandes letras: JUIZES CONTRA ENRIQUECIMENTO ILICITO.
tal não corresponde à verdade. É que eu sou juiz e sou a favor e não vejo onde esteja a inconstitucionalidade. Inconstitucional é expropriar parte do vencimento e subsídios.....