Temos de aceitar tudo o que nos é imposto com fatalista resignação? A violência das obrigações imputadas autoriza-nos a reagir com semelhante atitude, exactamente porque o que poderá ser legal perdeu a legitimidade por excesso e atropelo. Ninguém sabe o que nos espera no final desta longa e penosa travessia: nem mesmo aqueles que para ela nos impeliram.
Temos de reflectir nas actividades políticas de um Governo que não parece muito animado em aspirações sociais e em equilíbrios éticos. Um Governo declaradamente inclinado em nos empobrecer, em estancar qualquer manifestação de cidadania e pouco preocupado em sacrificar legiões de desempregados e de excluídos.
A justiça económica da livre troca é uma monstruosa falácia. Todos os dias sofremos ou temos conhecimento dessa fraude ideológica, mas não conseguimos mobilizar as forças da nossa inteligência e o domínio da nossa razão a fim de enfrentar o embuste que nos desgraça.
O poder perdeu (se alguma vez os teve) o pudor e a respeitabilidade. O exemplo recente das nomeações para a EDP tem o carimbo da coligação; mas, antes, o PS procedeu de igual ou pior forma. Eis a ressurreição do rotativismo do séc. XIX. Não há meio de alterar este pêndulo. O assunto da deslocação de Alexandre Soares dos Santos para a Holanda, reprovável no que comporta de moralmente indigno, define o tratado de hipocrisia dos que desencadearam a "polémica". Então, e os antecessores do processo?, são anjos imaculados ou pertencem todos a uma hagiografia de tratantes? Os mesmos preopinantes que, nos jornais, em bravas elucubrações, esgarçam o projecto socialista e, por antinomia, constituem-se como indefectíveis paladinos do capitalismo, viram-se, agora, contra quê?
O sistema que os procriou é aquele que colonizou as mentes e favorece quem o protege e preserva. Passem os olhos pelos rostos dos que dominam o Governo, mas não mandam no País. Assustam. As ordens procedem de fora. E as rodas dentadas da grande engrenagem movem-se através dessas cumplicidades ocultas. Lenta mas perseverantemente foram roubando o nosso já de si tão ausente protagonismo.
Deixámos, há muito, de decidir o nosso destino; mas, pelo menos, possuíamos uma noção de presente, por obscuro que fosse. A marcha de José Mário Branco: "Qual é a tua, ó meu / andares a dizer / quem manda aqui sou eu?" - é o apogeu simbólico e trágico da nossa derrota. Andámos quase sempre enganados; no entanto, talvez aprendêssemos que podíamos ser livres no opróbrio. O regresso ao passado talvez forme novos resistentes.
O Governo a nada acede; não se trata de ceder, sim de aceder. E desrespeita a concertação social, simplesmente ignorando-a, e insultando os sindicatos com a soberba da omissão. Não restam dúvidas de que o assalto à democracia está em andamento acelerado.
Baptista Bastos | Diário de Notícias | 11-01-2012
Comentários (6)
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José Pedro Faria (Jurista)- Assalto à... quê?!
Há 5 anos atrás dizia-se que a nossa economia se encontrava com problemas sérios de saúde; hoje pode afirmar-se que o nosso país está moribundo. E sabe-se como os fatores de caráter económico se refletem na saúde política de uma nação.
Alguns, por motivos de interesse exclusivamente partidário insistem que "a culpa foi do Sócrates". Essa, contudo, é apenas uma pequeníssima parcela do problema.
No período pós-25 de Abril de 1974, especialmente logo após à entrada na então CEE os tempos foram de expansão económica. Não tão acentuada como antes da Revolução, já que no tempo de Marcello Caetano o crescimento económico era dos mais altos do mundo, mas ainda assim, atendendo à melhoria das condições sociais, o panorama afigurava-se positivo.
A mão-de-obra continuava relativamente barata (especialmente por força da péssima qualificação média do trabalhador nacional) e isso ajudou ainda mais ao investimento estrangeiro. A partir de 1986 tivemos ainda a entrada dos fundos europeus, que convidavam à expansão. Daqui decorreu uma acentuada melhoria das condições de vida dos portugueses e, para ajudar, a liberalização do crédito para o consumo ou para a aquisição de casa própria começou a parecer tornar possível o sonho de aproximar o nosso nível de vida médio do nível europeu. O encarecimento do produto nacional era compensado pela desvalorização da moeda, e o nosso país parecia num caminho positivo.
O que perturbou esta progressão?
Portugal para aceder aos fundos europeus aceitou a destruição da sua frota pesqueira, o abandono da agricultura (incluindo a destruição de milhares de olivais, por exemplo), desindustrializou-se, enfim, em síntese, Portugal ficou sem produção nacional e transformou-se num país de serviços, completamente dependente do exterior. Esta destruição dos sectores produtivos tem um nome - Cavaco Silva. E a criação de infraestruturas (maxime estradas) não compensou este problema, já que que apenas por si próprias as mesmas se revelaram inúteis do ponto de vista do crescimento económico. Para além disto, milhões foram entregues ao empresariado sem que a sua utilização fosse devidamente fiscalizada - e o resultado viu-se qual foi.
Mas a história não acaba aqui: o processo de criação da moeda única conduziu a baixas taxas de juro, que, sem que os governos com isso se preocupassem, originou a um endividamento excessivo da população - é que primeiro estavam (e estão) os interesses da banca nacional. Os sucessivos governos, irresponsavelmente, não só não travaram a marcha do desastre, como, pelo contrário, e irresponsavelmente, não aproveitaram a oportunidade que lhes era proporcionada pelo aumento das receitas dos impostos para reduzir a sua dívida, como aceitaram trilhar igualmente o caminho da desgraça, embarcando numa senda despesista que tornou a dívida pública cada vez mais insustentável.
Qualquer economista de vão-de-escada sabia que um crescimento assim era artificial e que o resultado final seria sempre nefasto. Contudo os interesses dos lobbies nacionais falaram mais alto. E o problema não ficou por aqui. A moeda única, retirando um instrumento fundamental para a manutenção ou incremento da competitividade nacional, constituiu a razão mais próxima para o descalabro económico, social e financeiro do país.
A juntar a isto, temos o regresso em força das filosofias ultra-liberais, e a consequente destruição do Estado social, do desemprego, da desregulação dos mercados, da degradação crescente das condições de vida, enfim da miséria. Como pano de fundo temos uma banca sem escrúpulos, com um nível de concentração muito acima da média europeia, e que no passado chegou a conceder, com a cumplicidade irresponsável dos sucessivos governos, crédito ao consumo num valor 4 vezes superior ao crédito às atividades produtivas.
A má gestão de Sócrates é, portanto, uma pequena parcela de um problema muito mais profundo. A culpa está distribuída por todos os partidos que têm ocupado o poder, sempre dispostos a servir as suas clientelas à custa do desgraçado contribuinte, especialmente daqueles que pertencem à classe média. Neste enquadramento, o atual Governo, assume apenas o papel de comissão liquidatária ou de coveiro.
E num país moribundo, faz-se crer às pessoas que a Democracia é uma coisa menor, reduzindo-a a mais ínfima expressão. Daí a pergunta inicial: "Assalto à... quê?!". O próprio Direito segue o mesmo rumo: A Constituição não passa de um conjunto de papeis inúteis, já que ora se encontra tacitamente suspensa ou revogada. Estado de Direito Democrático? Que é isso?
Enfim, busquemos inspiração em alguns dos nossos valorosos antepassados que tão longe levaram o nome desta Nação para alterar esta bem organizada caminhada para a desgraça.
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deste povinho, que muito ladra e nada morde
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Cumprimentos.
P.S.: Grupo de cidadãos que fizeram queixinha do Otelo, não estou a apelar à revolução!!!
Sócrates - Significativa Parte do Problema!...
Ironia do destino - temo-lo hoje como 1ª figura do Estado...
Conjuntura internacional, caracterizada por guerras e guerrilhas, 11 de Setembro e onda de neoliberalismo selvagem são uma fortíssima parte do problema...
Mas, a corrupção e roubo em grande escala (PPP's, subvenções vitalícias, duplicação de serviços de administração geral...), a nível interno, assim como a DUPLICAÇÃO, EM SEIS ANOS, DE UMA DÍVIDA QUE TINHA LEVADO TRINTA E UM ANOS A ALCANÇAR, não são, nem de longe nem de perto uma "ínfima" parte do problema; antes porém, uma significativa e importantíssima parte do mesmo!...
Triste é ver que os organismos supostamente reguladores do poder político / garante do Estado de Direito simplesmente não actuam...
JMB
Baptista Bastos
Grave-se bem esta ideia na pedra, no céu, na nossa mente...
Mais tarde ou mais cedo, a nossa sobrevivência há-de passar por aqui...