A incapacidade de supervisão do Banco de Portugal, que se prolongou durante anos, fez com que o Estado tivesse de gastar 4,5 mil milhões de euros no BPN e perto de 470 milhões de euros no BPP. São números que convém lembrar numa altura em que o banco central, confrontado com o corte dos subsídios de férias e de Natal na função pública, se tenta apresentar como uma espécie de OVNI da economia portuguesa: o banco defende a manutenção dos muitos privilégios dos seus funcionários como sendo a consequência natural da sua ligação ao Banco Central Europeu e da sua independência em relação ao Governo.
De facto, há poucas coisas piores para uma economia do que um banco central que não seja livre em relação ao poder político. Por isso, convém protegê-lo de forma especial e evitar que um qualquer governo tenha a possibilidade de o estrangular através de medidas que, ao diminuírem o vencimento dos seus funcionários, limitem a sua independência.
Sucede, porém, que não é isso que está a acontecer em Portugal. É tudo muito mais simples: ao mesmo tempo que se diminuem os vencimentos dos funcionários públicos e de muitos trabalhadores privados, o banco central mantém os seus; ao mesmo tempo que os dias de férias são reduzidos para 22, os do banco central continuam a poder chegar aos 30; enquanto uma larga parte dos contribuintes deixa de poder descontar despesas de saúde nos impostos, os funcionários do banco central continuam a ter várias comparticipações nessa área; enquanto a maioria dos reformados fica cada vez mais desprotegida, os do banco central continuam a ter direito a inúmeras regalias. E há ainda outros privilégios atribuídos aos funcionários do Banco de Portugal: a quinta com cavalos, as piscinas, os courts de ténis e o campo de minigolfe.
O Banco de Portugal, como o próprio nome indica, existe em Portugal – e não, ao contrário do Banco Central Europeu, em Frankfurt. Deve, por isso, adaptar o seu estilo de vida ao dos portugueses. Não é demagogia, é bom senso.
HÁ UM PROBLEMA BÁSICO em Portugal: não existem funcionários públicos contratados, existem despachos com vista à nomeação de elementos indispensáveis ao funcionamento do Estado; não existem informáticos, existem pessoas contratadas para trabalhar “no âmbito da área da informática e das novas tecnologias”; não existem subsídios de férias e de Natal, existem “mensalidades pagas a título de abono suplementar”. No meio de toda esta burocracia linguística, é normal que ninguém perceba uma lei e que um simples despacho para nomear um funcionário para o gabinete da ministra da Justiça se torne indecifrável.
Nos últimos meses, o Governo tem vindo a nomear colaboradores para vários ministérios. Em muitos casos, estes são contratados com direito a um “abono suplementar” – que é igual ao subsídio de férias e ao 13o mês, e que, segundo o Governo, não é para pagar. Para tentar perceber se os novos colaboradores ministeriais terão direito aos subsídios que foram cortados ao resto da função pública, o jornal Público ouviu três juristas – e não conseguiu chegar a uma conclusão: o Estado não pretende pagar, mas diz que os nomeados têm direito a receber; o trabalhador não deverá receber, mas pode recorrer para os tribunais. Em vez de ser simples e directo, o Estado prefere ser complicado e incompreensível. Foi assim que Portugal se tornou um país ingovernável.
Direcção da Sábado | 02-02-2012
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